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Foi por pouco: Com margem apertada, sessão que manteve Brazão na cadeia expõe força do corporativismo parlamentar

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Foi por pouco: Com margem apertada, sessão que manteve Brazão na cadeia expõe força do corporativismo parlamentar

Por apenas 20 votos a mais que o necessário, Câmara dos Deputados mantém na cadeia acusado de mandar matar Marielle em sessão que mostrou o alto nível de corporativismo na Casa

Foi por pouco: Com margem apertada, sessão que manteve Brazão na cadeia expõe força do corporativismo parlamentar

Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Por: Jairo Costa Jr. no dia 18 de abril de 2024 às 08:53

Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 18 de abril de 2024

Embora boa parte dos brasileiros tenha sentido alívio com a decisão da Câmara de manter na cadeia o deputado carioca Chiquinho Brazão (ex-União Brasil), acusado de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco(Psol-RJ) e do motorista Anderson Gomes em 2018, o placar da sessão realizada na noite do último dia 10 mostra que por uma margem pequena de votos o parlamentar acusado de envolvimento com grupos milicianos da zona oeste do Rio de Janeiro não foi liberado da prisão. A radiografia numérica revela ainda a força do corporativismo que impera na Casa, mesmo com provas robustas de que ele participou diretamente da execução e de uma série de outros crimes. 

Matematicamente, eram necessários 257 votos favoráveis à prisão, a chamada maioria absoluta. Foram computados 277, ante 129 contrários à permanência de Brazão na penitenciária de segurança máxima de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Ou seja, se 21 parlamentares tivessem embarcado na turma do “não”, o deputado estaria livre para retomar as atividades no Congresso Nacional, repetindo um episódio que, cerca de quatro anos atrás, expôs as dificuldades da Câmara em cortar na própria carne. Para entender, é preciso entrar no túnel do tempo.

Referência
Em 5 de fevereiro de 2020, o plenário da Casa se reuniu para analisar o afastamento do deputado paraibano Wilson Santiago (Republicanos), à época eleito pelo PTB. Ele teve o mandato no Congresso suspenso em 2019 por ordem do então ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), sob acusação de receber propina em obras superfaturadas na adutora Capivara, no interior da Paraíba, e cometer crimes de peculato, lavagem de dinheiro, fraude licitatória e formação de organização criminosa. No entanto, apenas 170 parlamentares se posicionaram a favor da medida imposta pelo STF, graças a uma manobra costurada pelo centrão.

Na ocasião, aliados de Santiago operaram para que 101 parlamentares se ausentassem. Foi exatamente o que as siglas do centro fizeram na quarta-feira da semana passada, através de uma mobilização para reduzir a presença em plenário e tentar impedir que a votação alcançasse o mínimo necessário para manter Brazão na cela em Campo Grande, onde cumpre prisão preventiva desde 24 de março, por meio de decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes, posteriormente referendada pela Primeira Turma do Supremo. Por muito pouco as articulações do centrão não deram certo.

Ao todo, 79 deputados não deram as caras na votação. Outros 28 compareceram, mas se abstiveram. O que resultou em 107 parlamentares que podiam votar, mas preferiram lavar as mãos. Em números absolutos, a bancada do Rio de Janeiro, reduto eleitoral de Brazão, despejou 19 votos contrários à prisão, seguida pela de Minas Gerais (15) e a de São Paulo (12), respectivamente, terceira, segunda e primeira em quantidade de integrantes na Câmara. Logo abaixo, vem o Rio Grande do Sul (9). Percentualmente, a conta descortina de onde saíram as maiores parcelas de apoio à soltura do parlamentar.

No total, 62,5% das bancadas do Mato Grosso e Tocantins se posicionaram contra a prisão do deputado. A proporção foi cinco votos de um total de oito. Na sequência, aparece Santa Catarina, onde metade dos 16 parlamentares engrossaram a tropa de Brazão. A do Espírito Santo também teve alta taxa de apoio à soltura, com quatro dos nove integrantes discordando da medida. Os dados refletem a grande penetração do bolsonarismo nos sete estados.

Foto: Câmara dos Deputados/Zeca Ribeiro

Tropa baiana
Em contrapartida, estados com forte eleitorado de esquerda, como a Bahia, ajudaram a impedir a libertação do político. Dos 39 parlamentares da bancada baiana na Câmara Federal, somente cinco votaram para revogar a prisão, quatro deles do União Brasil, partido do qual Brazão acabou expulso no rastro da denúncia que o incriminou como um dos mandantes do assassinato de Marielle. São eles Paulo Azi, Dal Barreto, José Rocha e Elmar Nascimento, cotado para presidir a Câmara a partir de 2025. O quinto foi Capitão Alden (PL), linha de frente do bolsonarismo no Congresso.

O placar registrou ainda seis deputados da Bahia ausentes à votação: Adolfo Viana (PSDB), Alex Santana (Republicanos), Jonga Bacelar (PL), Waldenor Pereira (PT), Neto Carletto (PP) e Roberta Roma (PL). Outros quatro lavaram as mãos e se abstiveram em plenário. Lista da qual fazem parte Arthur Maia (União Brasil), João Leão (PP), Paulo Magalhães (PSD) e Leur Lomanto Júnior (União Brasil), presidente do Conselho de Ética da Câmara. Os 24 restantes ajudaram a manter Brazão na tranca.

Taxa partidária e influência de Lira

Como era fácil supor, partidos alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro ou com forte viés conservador foram responsáveis pela maioria dos votos a favor de Chiquinho Brazão. Somente do PL, maior bancada da Câmara, 71 deputados se posicionaram contra a prisão. Outros sete remaram em direção oposta, e 17 se abstiveram ou sequer apareceram. Do União Brasil, a relação foi, respectivamente, de 22, 16 e 20. Apesar do número menor de votos favoráveis ao parlamentar do Rio, PP (10) e Republicanos (8) registraram altas taxas de ausências e abstenções, com 22 e 14 integrantes que abdicaram de se posicionar na sessão.

Todas as quatro legendas sofrem forte influência do atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que embora esteja impedido regimentalmente de votar, liderou pessoalmente as articulações para evitar que Brazão continuasse preso. Algo que poderia ocorrer caso bancadas como a do PT, MDB, PSD, PSB, PDT e Psol não tivesse comparecido em peso para derrotar os cardeais do centrão. Sozinhos, os seis partidos somaram 173 votos favoráveis à permanência do parlamentar na penitenciária federal do Mato Grosso.

Desistência em bloco

Uma prova clara das dificuldades da Câmara em punir Chiquinho Brazão foi dada na manhã de quarta-feira (17), quando os três deputados sorteados inicialmente para integrar a lista de prováveis relatores do processo de cassação do parlamentar no Conselho de Ética recusaram a função. Ricardo Ayres (Republicanos- -TO) disse que já havia sido escolhido como relator para outra representação no colegiado. Bruno Ganem (Podemos-SP) alegou a necessidade de se dedicar à pré- -candidatura a prefeito de Indaiatuba, no interior de São Paulo. Já Gabriel Mota (Republicanos-RR) sequer justificou a recusa até o fechamento desta edição.

Com isso, o Conselho de Ética sorteou nova lista tríplice para escolher o relator do processo: Jack Rocha (PT-ES), Rosângela Reis (PL-MG) e Joseildo Ramos (PT-BA). Agora, caberá ao presidente do colegiado, o baiano Leur Lomanto Júnior (União Brasil), definir qual deles assumirá a função. A partir daí, vão acontecer mais dois testes de fogo. O primeiro deles é consolidar posição favorável à cassação dentro do próprio colegiado. O segundo, e mais difícil, será manter o mesmo entendimento no plenário com a maioria dos 513 deputados da Casa.