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Quarta-feira, 10 de abril de 2024

E seu like com isso?

Somos todos muito limpinhos, adoramos nos horrorizar com os urubus que transformam em carniça a vida dos outros

E seu like com isso?

Foto: Reprodução - Jornal da Metropole

Por: Malu Fontes no dia 30 de junho de 2022 às 08:31

A conta da indignação não fecha. Na babel de sentenças que são as redes sociais, não falta a polifonia de vozes, majoritariamente perfiladas em nome da justiça, ou do justiçamento, defendendo as vítimas dos feios, sujos e malvados, essas personagens que se multiplicam em perfis, programas de TV, contas de fofoca, canais de YouTube. O algoritmo, todos os dias nos joga na cara, quase de forma literal, via feeds pelos quais não procuramos, cenas escatológicas, vídeos tagueados como imagens fortes, com alertas de gatilho e palavras que nomeiam fenômenos e atos desagradáveis escritas como se escrevinha palavrão e xingamento em revistas de quadrinhos infantis, os gibis.

Escrever a palavra estupro de forma esquisita, como est€pr@, por exemplo, para supostamente fugir da varredura prometida pelas gigantes da tecnologia para banir discursos de ódio ou escatológicos, soa de uma hipocrisia e de um ridículo sem tamanho, assim como os tais alertas de gatilho. Usa-se isso, nos feeds, mas as imagens que estão lá nas publicações são cenas cujo objetivo único não é outro senão mostrar uma mulher numa cena de sexo, correndo seminua de um estupro, apanhando sucessivas vezes de um macho agressivo que não aceita o fim de um relacionamento. 

Tente abrir um desses feeds que abrem-se em seu celular e veja lá, não a cena, mas a quantidade de pessoas que você conhece e deu like para esse tipo de coisa. Essas mesmas pessoas, conhecidas, algumas até de seu círculo de contatos mais próximo, até saem da sua compulsão de passar os dias dando likes nesse tipo de publicação para vir no seu inbox comentar o quanto um fato x é sórdido e como um acontecimento y é inaceitável. Parece óbvio considerar um sujeito como Léo Dias e uma personagem como Antonia Fontenele um concentrado de chorume? Só parece, pois a prática nos mostra que não é. Sempre que houver um post desses caça-cliques com a imagem de um dos dois alimentando o ego dos próprios mostrando-se desculpando ou pisando com mais força no pântano onde habitam, vá ver: haverá lá naquelas fotos miudinhas de quem deu coração àquilo uma pessoa que você conhece. 

O estimulante do mendigo 

A tese é simples: somos todos muito limpinhos, assépticos, adoramos nos horrorizar com os urubus que transformam em carniça a vida dos outros, mas parecemos obedecer a algum comando idiota que manda dar uma pousadinha nesse tipo de assunto e deixar lá uma curtida. Quem comete o erro, quem dissemina imagens violentas expondo meninas e mulheres nuas e em atos sexuais, consentidos ou violentos, deve saber o óbvio, não? Alimentam o dia inteiro essa produção de lixo. O jornalismo, com medo de morrer de inanição financeira e de ser abandonado pelos leitores, é o primeiro a contaminar tudo, oferecendo juntos, simultaneamente, biscoitos finos e fluidos podres, sangue, secreção e sêmen. Claro, sempre protegido pela sacrossanta desculpa de que o faz para informar o leitor. E dá-se o pacto da hipocrisia. Para dizer para si mesma o quanto um fofoqueiro midiático é abjeto e até escrever um comentário duro sobre o tal, por que raios você deixa lá sua cara e seu nome num like? 

Claro, está combinado que cada um pode curtir o que quiser. O que não dá é para se alistar ao mesmo tempo no exército de quem dá like todos os dias em cenas exibindo a sexualidade das pessoas veiculadas sob textos e contextos bizarros e depois ir se queixar que a mídia é o único urubu dessa equação. Seu like sempre financiou Léo Dias, Antonia Fontenele e cases como o mendigo abjeto. Uma editora do site Metrópoles, sediado em Brasília e para quem Léo Dias hoje trabalha, foi às redes para dizer que ficou fora umas horas, veja-se: nesse fragmento de tempo em que esteve fora, escapuliu-se, assim, sozinha, uma matéria sobre essa sordidez do colunista da casa? Estava fora também quando o site para o qual trabalha incensou o mendigo a celebridade às custas da condenação de uma mulher? E onde a moça estava quando o Metrópoles publicava uma notícia de incalculável interesse público anunciando que o demente estava anunciando um estimulante sexual chamado pau de mendigo? O post está lá, com 25 mil likes. Um deles é da mocinha que pediu perdão por estar fora umas horinhas, quando da publicação da tragédia de Klara Castanho. Parabéns aos curtidores, por manterem vivo esse ecossistema de pilantras, fingindo que o condenam. Sua cara também está lá. 

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