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Preciosidade: Pesquisador descobre (e divulga) gravações perdidas de João Gilberto

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Preciosidade: Pesquisador descobre (e divulga) gravações perdidas de João Gilberto

No acetato, o pai da bossa nova canta "Hino ao Sol", de Tom Jobim e Billy Blanco, e "Chove Lá Fora", de Tito Madi, inédita em sua voz

Preciosidade: Pesquisador descobre (e divulga) gravações perdidas de João Gilberto

Foto: Divulgação

Por: James Martins no dia 21 de março de 2019 às 10:10

A discografia de João Gilberto pode ser, tranquilamente, considerada pequena: 16 LPs em mais de 60 anos. Cresce um pouco se contarmos os 78RPM e as coletâneas (algumas, polêmicas, como aquele CD "O Mito" que o indispôs para sempre com a gravadora EMI), mas só um pouco. "É só isso o meu baião", canta ele desde o início. Já a devoção por João Gilberto é, mais certamente ainda, gigantesca e por isso qualquer novo registro (um trecho de show, uma gravação esquecida) que aparece na internet gera o maior alvoroço no Brasil e (talvez principalmente) fora dele. 

Foi assim com o "João Gilberto na Casa de Chico Pereira": conjunto de gravações caseiras feitas pelo pai da bossa nova na casa do amigo fotógrafo e que virou uma espécie de álbum no YouTube a partir de 2008, quando chegou à rede. Ali, João, o perfeccionista, surge em tom caseiro, relaxado, interpretando cerca de 30 canções, inclusive algumas que jamais chegaram ao seu repertório, digamos, canônico, como "Chão de Estrelas" (Sílvio Caldas/Orestes Barbosa), "João Valentão" (Dorival Caymmi), "Mágoa" (Tom Jobim/Marino Pinto) e "Beija-me" (Roberto Martins/Mário Rossi).

Outra preciosidade de JG, no entanto, caiu na rede recentemente (perdoem o trocadilho) em silêncio. Trata-se de um acetato perdido em que ele canta duas pérolas da música brasileira: "Hino ao Sol", o mais famoso movimento da "Sinfonia do Rio de Janeiro" (1954), de Tom Jobim e Billy Blanco, e "Chove Lá Fora" (1955), de Tito Madi. A raridade foi postada no YT no dia 9 de janeiro desse ano, mas, quase três meses depois, parece que ainda não foi descoberta pelos fãs de João e tem menos de 700 visualizações (audições, pra ser mais preciso).

O responsável pela proeza é o colecionador de discos carioca Cristiano Grimaldi, de 35 anos. Na própria postagem ele conta a história do acetato perdido. "A viúva de Jonas Silva, primeiro crooner dos Garotos da Lua, doou após sua morte parte de seu acervo de discos ao grande escritor, biógrafo, jornalista e flamenguista Ruy Castro. Visitando a casa de Ruy, notei que uma destas caixas de discos continha apenas acetatos, a maioria sem marcações ou selos, e me ofereci então para tentar ouvi-los", escreve.

Após descrever as peculiaridades do material físico, do acetato em si, e as dificuldades que impõe para conservação e recuperação, Grimaldi revela como se deu conta do que tinha achado: "No início de minha audição aos acetatos havia apenas a curiosidade, pois peguei um dos mais avariados, e sendo um material sem significado o esforço de restauro não valeria o retorno. Mas após ouvir segundos de uma das partes íntegras, não pude acreditar no que tinha em mãos".

E garante: "Sangue, suor e lágrimas durante horas de trabalho foram dedicados ao processo de recuperação".

De fato, para os amantes e estudiosos da bossa nova, trata-se de um verdadeiro tesouro! Até por que, se já se conhecia uma gravação de João Gilberto ao samba-canção de Tom e Blanco (embora com qualidade bem inferior a esta), o registro dele cantando "Chove Lá Fora" é inédito.

O colecionador explica que: "Certamente este acetato foi gravado em um ambiente tendendo ao profissionalismo, pois a gravação é de boa qualidade e feita em 33 1/3 RPM, algo incomum em acetatos amadores na época. Outro fato é a ausência de selos, o que indica o propósito de passagem por galvanoplastia". E deixa uma pergunta: "Mas como esta gravação foi parar justamente no acervo de Jonas Silva, ainda é uma incógnita". Mistérios de João Gilberto.

Grimaldi datou o material como sendo de 1957. Mas, há controvérsias. Segundo a história da bossa nova, João descobriu/inventou a famosa batida em 1956, em Diamantina-MG, mais precisamente no banheiro da casa de sua irmã Dadainha. Em 57 ele voltou ao Rio já de posse da dita cuja. Porém, nessas gravações, a batida bossa nova ainda não se faz presente. Além disso, tampouco o jeito de cantar é aquele que aparece, já no ano seguinte, em "Chega de Saudade" e "Bim Bom".

Aqui ele estica mais as notas e ainda usa bastante vibrato. Já não é o João de "Meia Luz", de 1952, mergulhado em Orlando Silva, mas também ainda não é o Joãozinho-de-uma-nota-só que revolucionaria a música popular no mundo inteiro. Uma corda esticada, uma ponte entre o homem e o super-homem. Enfim, aproveitem: