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Diretas Já: Comício do Vale do Anhangabaú completa quatro décadas e relembra luta pela democracia

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Diretas Já: Comício do Vale do Anhangabaú completa quatro décadas e relembra luta pela democracia

O Metro1 conversou com a baiana Lucileide Cardoso, que participou da manifestação, e com o historiador Taylan Santos, para analisar a força e importância do Comício que uniu um 1,5 milhão de pessoas nas ruas

Diretas Já: Comício do Vale do Anhangabaú completa quatro décadas e relembra luta pela democracia

Foto: Reprodução/PSCdoJB

Por: Bélit Loiane no dia 16 de abril de 2024 às 13:07

Atualizado: no dia 16 de abril de 2024 às 15:46

Há exatos 40 anos, a maior frente ampla da história do Brasil tomou as ruas de São Paulo em busca de um objetivo em comum. Um milhão e meio de pessoas unidas pela esperança e o sonho de poder decidir, novamente, o próprio futuro e pôr fim ao regime que cerceava os caminhos da população brasileira. Considerado o maior movimento das Diretas Já, o Comício do Vale do Anhangabaú completa a marca de quatro décadas nesta terça-feira (16) e se manteve durante a história como ponto de referência na consagração da luta travada contra a Ditadura Militar.

O ‘Vale do Povo’, como apelidou Ulysses Guimarães - deputado que presidiu a Assembléia Nacional Constituinte e ficou conhecido como O Senhor das Diretas -, foi resultado de muita mobilização política e social, que explodiu desde o final de 1983. Naquele contexto, o país pegava fogo com a realização de passeatas, comícios e protestos e essa chama acendeu ainda mais após o deputado federal Dante de Oliveira (PMDB) apresentar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que restabelecia as eleições diretas para presidente da República no Brasil.

Uma das integrantes daquela multidão era a baiana Lucileide Cardoso. Ao Metro1, ela, que hoje é professora de História Contemporânea na Universidade Federal da Bahia (Ufba) e líder do grupo de pesquisa Memórias, Ditadura e Contemporaneidades, fez um retorno em 40 anos para detalhar o momento. Nascida no ano em que o Golpe Militar foi instaurado no Brasil (1964), Lucileide foi levada pelos estudos até São Paulo, em 1983, aos 19 anos. Lá, morando em uma residência estudantil, ela uniu seus conhecimentos literários com a politização que tomava a educação, e assim se viu completamente inserida na causa. 

“Ali se politiza muito a Ditadura, o quão cruel foi e a necessidade da gente acabar com aquele regime [...] Era um momento em que você era levado a ser sujeito da história. A memória do mal para a gente era a ditadura e a gente precisava acabar com aquilo”, contou Lucileide ao Metro1. A baiana assistiu ao Comício do Vale do Anhangabaú no topo de um prédio. A multidão que tomou a Avenida Paulista e seguiu em passeata até o Vale, cheia de força e desejo de mudança, fez muito barulho naquele 16 de abril. 

“Foi o dia e a noite com as pessoas na rua, os bares lotados, uma coisa linda de se ver. A beleza que foi aquela manifestação, de uma emoção tremenda porque nunca tínhamos vivido um grau de mobilização daquela. Eu lembro exatamente das músicas, Milton Nascimento cantando Coração de Estudante, Fafá de Belém cantando o Hino Nacional, foi muito forte”, relembrou. 

Foto: Arquivo Centro de Memória Sindical

Um dos principais pontos de encontro entre a Bahia e o Comício na Avenida Paulista foi a parte cultural das Diretas Já e a articulação de deputados estaduais em prol de uma eleição decidida pelo povo. O historiador Taylan Santana Santos destacou ao Metro1 figuras baianas que encabeçaram o movimento e serviram como uma espécie de mola propulsora da luta.

“Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil, nomes consagrados que estiveram na luta pelas diretas e participaram dos comícios disseminados em todo o país. Domingos Leonelli do PSB foi um dos articuladores nacionais pelas Diretas Já. Inclusive, escreveu um livro junto com Dante de Oliveira. E junto a ele, destaco Francisco Pinto, ex-prefeito de Feira de Santana, preso pela Ditadura a mando pessoal do General Geisel por ter feito uma crítica durante o exercício de sua função parlamentar”, pontuou.

O depoimento de Lucileide e a análise de Taylan ressaltam o Comício do Vale do Anhangabaú como um grito de “basta” dado pela sociedade civil, o que torna o nome dado por Ulysses Guimarães muito fiel ao que foi o movimento, que envolveu principalmente trabalhadores e associações. “Foi um dos movimentos políticos da história brasileira em que a classe trabalhadora, as massas populares tiveram mais envolvidas. Não foi apenas um movimento por cima, se radicalizou através do seu caráter popular. As Diretas foram essa mostra desse caráter popular de que as mudanças políticas no Brasil devem passar pela construção da maioria da população brasileira”, explicou Taylan.

Derrota da emenda

Apesar da grande mobilização feita durante 15 meses, a emenda constitucional apresentada por Dante Oliveira foi derrotada com 298 votos a favor, 65 contra e três abstenções. Para passar, a PEC precisava de 320 votos. Lucileide acompanhou junto com uma outra multidão, não muito diferente daquela, a votação e se lembra do sentimento de frustração que permeou o momento.  “Nós nos mobilizamos para acompanhar a votação da emenda na Praça da Sé com uma vigília. A ideia era passar a noite inteira o quanto durasse a votação. Colocaram um telão e a gente ficava acompanhando cada voto de cada deputado. Após o resultado, eu chorei, não só eu, muitos, porque a gente acreditava que a gente ia vencer”, lembrou.

No entanto, como nenhum momento histórico acontece de forma isolada, mesmo com a perda, o movimento das Diretas tive grande responsabilidade pelos passos rumo à democracia que o Brasil deu nos anos seguintes, findando na promulgação da Constituição em 1988 e nas eleições diretas em 1989, que colocou Fernando Collor de Mello no poder.

“Independente do resultado no Congresso, o movimento já havia triunfado por conseguir catalisar um sentimento de repúdio popular muito forte à Ditadura. Sentimento esse que galvanizou as eleições de Tancredo Neves e toda a construção democrática no país. As Diretas formaram um efeito catarse, depois de 20 anos de muita censura, repressão, tortura, terrorismo de Estado inescrupuloso, foi um fenomeno de catarse politico e cultural do povo brasileiro”, disse Taylan.

Hoje, 40 anos depois, o desejo que toma quem fez parte do resgate político brasileiro é de que a população se debruce na história e não permita que o aprendizado democrático fragilizado nos guie por caminhos tortuosos. “Que possamos seguir o exemplo das Diretas, que apontam as ruas e mobilizações populares como resolução para regimes autoritários. É preciso que a sociedade civil esteja sempre atenta, atuante e vigilante. Importante resgatarmos a memória para que possamos entender que o conjunto de liberdades democráticas é fruto de muita luta”, alertou Taylan.

O golpe militar completa 60 anos em 2024. O Metro1 reuniu depoimentos de baianos que viveram os Anos de Chumbo na série Histórias de Resistência. As seis reportagens retratam as lutas e histórias de Diva Santana, Carlinhos Marighella, Emiliano José, Joviniano Neto, José Carlos Souza e Olival Freire.