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Ex-líder estudantil rememora perseguições da ditadura nas universidades: "Faço parte de uma geração que não aceitava censura"

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Ex-líder estudantil rememora perseguições da ditadura nas universidades: "Faço parte de uma geração que não aceitava censura"

Primeiro presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Ufba, Olival Freire chegou a ser suspenso da universidade durante o Regime Militar; ele é o último personagem da série de reportagens Histórias de Resistência

Ex-líder estudantil rememora perseguições da ditadura nas universidades: "Faço parte de uma geração que não aceitava censura"

Foto: Reprodução/Revista Fapesp

Por: Leticia Alvarez no dia 01 de abril de 2024 às 15:48

Atualizado: no dia 01 de abril de 2024 às 18:06

Foi em 1975, em meio ao intenso período de repressão da Ditadura Militar, que o Movimento Estudantil Universitário Soteropolitano anunciou greve geral na Universidade Federal da Bahia (Ufba). Um dos líderes da manifestação era o estudante do Instituto de Física Olival Freire, atual titular da Diretoria Científica do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

No mesmo ano em que a greve foi instaurada, o governo de Ernesto Geisel emitiu um decreto que permitia que os reitores penalizassem e expulsassem das faculdades alunos envolvidos em atividades políticas. No caso da Ufba, a manifestação geral teve adesão da maioria dos 33 cursos da instituição e Olival Freire, primeiro presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE), foi suspenso, assim como teve o programa de monitoria cancelado.

"A alegação [da suspensão] era de que eu estava distribuindo, durante a matrícula, junto com os outros estudantes, panfletos contra a política educacional do governo", explicou o físico, que também é historiador e vencedor do prêmio Jabuti pela obra 'Teoria quântica: estudos históricos e implicações culturais'.

A ligação de Olival Freire com a política e a oposição ao Regime Militar também impactou o início da carreira profissional dele. Em 1979, a Assessoria Especial de Segurança e Informação (AESI), criada pelo governo para fiscalizar o corpo docente, tentou barrar sua contratação como professor colaborador do Instituto de Física. No entanto, o então reitor, Macedo Costa, não seguiu a orientação do órgão e admitiu Olival.

"Eu era um estudante muito ativo politicamente. Faço parte de uma geração que não aceitava a existência de censura em livros, jornais e músicas. Faço parte de uma geração que buscou travar a luta de reivindicação pleiteando melhorias da situação na universidade", disse o diretor do CNPq.

Para o ex-líder estudantil, o período foi marcado pela repressão contínua dentro das instituições de ensino, com o intuito principal de desestimular todo e qualquer tipo de participação política. "Os efeitos disso foram absolutamente desastrosos. Cerca de 80 estudantes tiveram a matrícula negada no início de 1969, por determinação direta da 6ª Região Militar", acrescentou.

Foto: Acervo pessoal

A importância da memória

Natural de Jequié, no sudoeste baiano, o físico migrou para Salvador aos 15 de idade com o objetivo de concluir o ensino médio. Foi na capital que ele passou boa parte da vida e presenciou, em primeira mão, os impactos da ditadura. Devido ao que vivenciou, Olival acredita que o processo de apagamento dos acontecimentos deste período histórico deve ser considerado como algo "evasivo e perigoso".

"O relembrar do passado é uma necessidade. No caso do Brasil, nós temos um agravante: a anistia tentou colocar uma pedra sobre os crimes que a ditadura cometeu. Ela perdoou tanto os opositores do Regime Militar, quanto os agentes do Estado que cometeram crimes, torturas e assassinatos. A anistia foi importante para pacificar o Brasil, mas ela não foi completa e gerou uma deformação da sociedade brasileira", afirmou ao Metro1.

"Compare com a situação da Argentina e do Chile, em que os militares foram processados, julgados com direito de defesa, isso nunca aconteceu no Brasil. A falta desse julgamento, o passar a limpo a nossa história. Nos dias de hoje, eu diria que é muito importante que isso seja rememorado, recuperado, para que não se repita", concluiu.

Esta matéria faz parte da série História de Resistência, lançada pelo Metro1 nesta semana, quando o golpe militar brasileiro completa  60 anos. Com seis reportagens, a produção retrata histórias de baianos que foram perseguidos ou tiveram suas vidas modificadas pela ditadura. Além de Olival, nomes como Emiliano JoséCarlinhos MarighellaJoviniano NetoJosé Carlos, e Diva Santana também fazem parte.