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Questão racial é problema central e estrutural no país, avalia promotora Lívia Vaz

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Questão racial é problema central e estrutural no país, avalia promotora Lívia Vaz

Coordenadora do grupo do MP-BA de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação foi reconhecida como uma das 100 pessoas de descendência africana mais influentes do mundo

Questão racial é problema central e estrutural no país, avalia promotora Lívia Vaz

Foto: Metropress

Por: Matheus Simoni no dia 23 de outubro de 2020 às 10:20

A promotora de Justiça Lívia Sant’Ana Vaz, coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (GEDHDIS) do Ministério Público da Bahia (MP-BA) foi reconhecida como uma das 100 pessoas de descendência africana mais influentes do mundo e destacou a atuação do órgão baiano no combate ao racismo e à intolerância religiosa. Em entrevista a Mário Kertész hoje (23), durante o Jornal da Bahia no Ar da Rádio Metrópole, ela destacou a atuação pioneira do órgão, que é referência para outros estados. "Para mim, esse reconhecimento é um reconhecimento da importância desse trabalho de enfrentamento ao racismo, de combate à intolerância religiosa e de promoção da igualdade racial junto ao MP-BA. Portanto, é um incentivo para continuar atuando", afirmou Vaz. 

Ela comentou a formação do sistema de justiça brasileiro e como a lei pune, de forma majoritária, mais pessoas negras do que brancas. Além disso, a promotora avaliou o problema da intolerância religiosa como uma das lutas enfrentadas pelo grupo. "Quando falamos em intolerância religiosa em Salvador, na Bahia e no Brasil, estamos falando de racismo religioso. Esse tipo de manifestação de ódio atinge com prioridade religiões de matrizes africanas, justamente por conta da origem dessas religiosidades. Temos um aplicativo que se chama mapa do racismo e da intolerância religiosa, que ano passado foi premiado pelo CNMP, que os relatórios indicam de fato que mais de 88% dos casos registrados de intolerância religiosa se referem a religiões de matriz africana", declarou.

"A gente tem vários projetos desenvolvidos e voltados ao racismo. O MP-BA criou um grupo de enfrentamento ao racismo institucional. Isso é importante de ser dito porque nós, como MP, fiscalizamos outros órgãos, outras instituições e denunciamos casos de racismo, mas não fazemos o dever de casa. O sistema de justiça brasileiro é ainda branco, masculino, heterossexual e cristão. Esse sistema de justiça tem vários pontos cegos e não consegue espelhar nem minimamente a diversidade étnico-racial do povo brasileiro nos seus quadros. Isso interfere diretamente nos serviços prestados", acrescentou.

Para Lívia Vaz, o que o país vive, na verdade, é uma "pseudo-abolição" da escravidão diante do sofrimento da população negra no país. "O Brasil foi o último país do ocidente a declarar abolida a escravidão. Falo 'declarar abolida' porque ainda estamos em um processo de abolição. Vivemos uma 'pseudo-abolição' em 1888. Essa 'pseudo-abolição' se misturou com processos de embranquecimento da população e criminalização do povo negro. Essa criminalização envolveu as religiões de matrizes africanas. Em 1972, os terreiros aqui da Bahia eram obrigados a ter alvará de funcionamento, que era expedido por Delegacias de Jogos e Costumes, num país que já era laico pela Constituição de 1891 e que já tinha liberdade de crença", disse a promotora. 

"Eu tenho dito que, na verdade, nós precisamos qualificar os direitos fundamentais com a igualdade. Liberdade de crença nós temos, mas precisamos de igual liberdade de crença, igual acesso à saúde e igual acesso à educação."

Papel dos brancos na luta contra o racismo

Lívia Vaz foi questionada por MK sobre a posição dos brancos na luta contra o racismo e os privilégios da população não-negra. Para a promotora, é necessário integrar a luta antirracista a todas as classes. "A primeira questão a se colocar mesmo é assumir, reconhecer o racismo como problema central. Quando você fala que as pessoas brancas se acham superiores, é muito importante falar de branquitude. Não é uma escolha, é uma posição social de privilégio, conforto e hegemonia de poder. Quando a gente fala em relações étnico-raciais, a gente tem que racializar mesmo a discussão. Se existe de um lado pessoas negras que foram quase 400 anos escravizadas e permanecem oprimidas pela questão racial, do outro lado temos as pessoas não-negras que, historicamente, se privilegiaram dessa opressão racial", citou a promotora.

"Só o reconhecimento desse privilégio pelas pessoas brancas, precisa acontecer como primeiro passo, é o que as fará refletir e se colocar de maneira antirracista. É você reconhecer o privilégio em ter a pele mais clara nesse país", declarou a coordenadora do GEDHDIS.

"Uma vez reconhecido esse privilégio, atuar de maneira antirracista e de uma maneira que transcenda o mero discurso. Estamos cansados e cansadas também só de discurso. Parece que o combate ao racismo e o antirracismo virou uma moda de redes sociais. Isso não basta."