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Vozes da Linha de Frente: cada número, uma história

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Vozes da Linha de Frente: cada número, uma história

Série de reportagens mostra relatos, depoimentos e uma visão particular dos profissionais que estão na primeira linha de defesa contra o coronavírus

Vozes da Linha de Frente: cada número, uma história

Foto: Camila Souza/GOVBA

Por: Geovana Oliveira no dia 04 de fevereiro de 2021 às 15:00

A cada dia de janeiro, morreram em média 953 pessoas por Covid-19. Número maior do que o registrado em dezembro, que, por sua vez, aumentou em relação a novembro. Os registros continuam crescendo: 223, 224, 225 mil óbitos pela doença no país. 

Só entre o primeiro e o segundo dia deste mês, foram 40 mortes por coronavírus na Bahia. Na última semana, o estado ultrapassou a marca de 10 mil óbitos. Números que são divulgados todos os dias - tanto, que depois de dez meses, já não assustam como antes. 
Mas a visão é outra para quem está na linha de frente: cada morte é uma história, cada número é um paciente que tentaram salvar. 

“Às vezes as pessoas de fora da área acham que a gente é exagerado, mas é realmente traumatizante”, relata a técnica de enfermagem Cristiane Galvão. “Acompanhar e dar conta das cargas emocionais de todas essas pessoas é complicado. Eu diria que é extremamente desgastante”, desabafa o infectologista Fábio Amorim. 

O Jornal da Metrópole conversou com médicos de UTI, socorristas, enfermeiros, técnicos e fisioterapeutas intensivistas. Todos lembravam perfeitamente de histórias sobre pessoas que entraram para a estatística.  

Relatos Emocionantes 

Para o Dr. Amorim, pai de duas meninas, de 9 e 13 anos, os casos mais marcantes envolviam famílias. Ele conta a história de um casal e seu filho, contaminados após uma festa para a qual a criança não queria ir. Apesar do medo que o menino tinha de ser infectado pelo coronavírus, mãe e pai foram para o evento e, logo depois, todos os três foram internados na Unidade de Terapia Semi-Intensiva. No entanto, uma vez que os pais tiveram alta, o filho progrediu para a UTI. “Nessa situação eu fiquei extremamente abalado porque vi o desespero do pai falando 'ele me disse para não ir'. E o pai falava 'eu queria estar no lugar do meu filho, ele não precisava estar passando por isso’”. 

“É um filme que passa na minha cabeça todos os dias”, conta Cristiane sobre a quantidade de casos que presenciou durante a pandemia. Entre os pacientes dos quais ela mais se recorda, está um jovem que comemorou o aniversário na saída da UTI para a enfermaria.  “Os colegas prepararam um aniversário para ele lá dentro da UTI e comemoraram a saída dele para a enfermaria. Tudo isso filmaram, publicaram no Instagram e o governador [Rui Costa] repostou. Eu fiquei feliz, chorei. Não estava presente no dia, mas eu assisti o vídeo.”

"Fui para o plantão um outro dia e, para minha surpresa, esse paciente estava de volta na UTI. Eu falei ‘você voltou?', e ele, que já estava com muita falta de ar, disse para mim 'eu to com medo de morrer'. Foi a única coisa que ele conseguiu falar, porque depois daquilo ele piorou muito, teve que ser entubado, a reanimação não funcionou, e ele não voltou”, relata. Ela chegou a excluir o vídeo do Instagram porque não gostava de lembrar do que aconteceu. “Isso nunca vai sair da minha cabeça”. 

Assim como Cristiane, outros profissionais de saúde também relataram o impacto de presenciar a evolução da doença em pessoas jovens. “Pacientes de 20, 30, 40 anos. Eu tive pacientes de 22, 23 anos que já vieram a óbito”, diz a fisioterapeuta intensivista Sabrina Correia. Ela conta a história de uma paciente de 23 anos, que não tinha nenhuma comorbidade, mas não resistiu. 
 
“Ela era obesa mas não tinha nenhuma comorbidade, não tinha hipertensão, não tinha diabetes. Chegou bem no hospital - chegou em uma máquina inalante, de suporte de oxigênio. Ela falou que tinha ido para a praia. Estava indo muito para a praia, então imaginava que tinha pegado lá. Ela pediu para avisar à mãe e à esposa dela. Isso de manhã. A gente falou que ia chamar a assistente social para vir à tarde, para ela conseguir falar. Mas, quando a assistente chegou, ela já estava entubada, não deu tempo de ela falar com a família. Ela ficou internada mais ou menos 10 dias. Uma paciente que ficou grave, bem grave, deu bastante trabalho pra gente... e aí veio a óbito".

As histórias continuam. Cada um poderia falar por horas sobre casos que lembrarão para sempre. Mas, pelo menos, nem sempre elas são ruins. Cristiane conta sobre o reencontro com um colega que ficou internado no Hospital São Rafael. 

“Ontem no plantão da noite eu reencontrei um dos nossos médicos, que também foi entubado no São Rafael, também ficou grave. Passou na TV o caso dele, com a alta. Ontem ele estava lá. Eu chorei muito quando o encontrei. Eu falei 'eu queria tanto te abraçar'. Ele é muito corajoso, porque depois de passar por tudo aquilo, estava lá de novo. E estava com um sorriso lindo”.