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Rocinha do Pelourinho: da Nova Esperança ao velho desespero

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Rocinha do Pelourinho: da Nova Esperança ao velho desespero

Com promessa de revitalização do primeiro mandato de Jaques Wagner, a comunidade foi apagada do mapa do Centro Histórico

Rocinha do Pelourinho: da Nova Esperança ao velho desespero

Foto: Tácio Moreira/Metropress

Por: James Martins no dia 21 de novembro de 2019 às 11:10

Pelourinho. A porta do sobrado 16 da rua Alfredo de Brito se converte em um verdadeiro portal a quem adentra. De repente, estamos em outra dimensão, com algo de jamaicano no ar. Trata-se da comunidade da Rocinha, área verde preservada em pleno Centro Histórico que deu lugar à habitação de 66 famílias. “O quintal do Pelourinho”, como um dia definiu um morador. Isso tudo, porém, ficou no passado, desde que o governo Jaques Wagner decidiu revitalizar o local e, ao contrário, o enterrou.

Além de moradia, a Rocinha também foi palco de inúmeros shows de reggae, promovidos por Alumínio & Carruagem de Fogo e convidados, além de outros eventos culturais, como rodas de conversa, oficinas e palestras. Em 2007, o diretor teatral Márcio Meirelles foi ali tomar posse como secretário de Cultura do Estado da Bahia e anunciou uma revitalização que seria uma espécie de cartão-postal de sua gestão. E, de fato, é. Basta dizer que, desde o início de 2008, os moradores da Rocinha deixaram o local e nunca mais voltaram.

A porta do 16 foi lacrada. Uma placa anunciava o valor da obra que nunca aconteceu: R$ 6,5 milhões. "Até a placa caiu, quase atinge um turista. Fomos enganados e, desde então, vivemos zanzando por aí, na esperança de voltar", diz um ex-morador que prefere não ser identificado. O projeto, aliás, fora batizado (ironicamente?) de Vila Nova Esperança. "São mais de 10 anos. Agora em setembro as obras reiniciaram, mas isso já aconteceu antes e nada. Tomara não seja outra enrolação, pois o desespero bate", completa. O prazo indicado na nova placa, que reduz a quantidade de unidades habitacionais de 66 para 56, é até agosto de 2020.


Novas placas, novo prazo, nova promessa...

Uma das últimas moradoras a deixar o local, Mariza Carvalho, 42 anos, não vê a hora de voltar. “Quando eu saí, nos deram um prazo de, no máximo, dois anos para o retorno. Até hoje... Esse processo todo conseguiu até mesmo acabar o meu casamento”, diz. A artesã, que tem dois filhos, depende desde então do aluguel social pago pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia. "Como o valor não aumenta, eu vou mudando de casa, sempre para uma menor, para caber no orçamento. E, pior, quando digo que é da Conder, a maioria dos proprietários já não me quer, pois sabe que não vai dar pra aumentar", diz.


Mariza Carvalho não vê a hora de voltar para casa.

A Conder, por sua vez, elenca uma série de fatores para o enorme atraso da obra, entre eles “problemas contratuais com duas empresas anteriormente selecionadas por meio de licitação, que desistiram de executar os serviços”. Mas garante que, dessa vez, a verba para execução já está garantida, “oriunda de recursos do FGTS”. “Vale ressaltar que, anteriormente, os recursos eram provenientes do Orçamento Geral da União, o que também demandou um prazo para viabilização dessa operação”, diz ainda.

No local, as carcaças das primeiras casas que começaram a ser erguidas estão invadidas pelo mato. Uma das queixas dos moradores, aliás, é sobre o tratamento dado ao pomar da Rocinha. "O trator passou por cima de tudo, abacate, pitanga, couve, jambo... precisava mesmo? Fazia parte do nosso estilo de vida, era uma coisa que amenizava as dificuldades a gente ter nossos pés de fruta. Quando o jambeiro botou a primeira flor, o trator atropelou. Nunca esqueci disso", diz Mariza.


Simone Salvador teme ser retirada também de sua moradia no Centro Histórico.

Ela alega ainda dificuldades para se adaptar a novas vizinhanças: “Morador da Rocinha é discriminado como se fosse traficante, mesmo eu, que nunca me envolvi com droga”. Simbolizando bem o problema de moradia na cidade, Simone Salvador, pintora, nascida no antigo Maciel, construiu sua casa nos fundos da Rocinha, com entrada pelo Tabuão. "Tenho medo de me tirarem daqui. Já mandei ofícios para o Ipac e tudo, mas ainda não obtive resposta", diz ela, que, após a devassa na vegetação, é quem alimenta os micos.

“Sentimos muita falta da Rocinha, era um lugar especial no Pelourinho. Além das amizades, a cultura que se vivia aqui”, lamenta Nélia Maria, 64 anos, a famosa Vovó do Reggae. “Tenho 58 anos de Pelô e, para mim, essa é a pior fase. Parece que querem expulsar os pretos daqui, tirando a Rocinha, a Praça do Reggae, tudo”, completa.


A Vovó do Reggae: saudades dos amigos da Rocinha.   

Além dos apartamentos (dois quartos, sala, banheiro e cozinha com área de serviço), a revitalização inclui ainda equipamentos comunitários, como quadra poliesportiva e mirante, informa a Conder. Do projeto original, porém, foram excluídos o estúdio multimídia e a biblioteca. "É uma pena tanta demora e descaso. Era Wagner o governador, já é Rui pela segunda vez... Mas torcemos que agora alguma coisa saia do papel", clama outro morador que também prefere o anonimato.