
Cultura
‘A Cantina da Lua não fechou nem fechará jamais’, garante Clarindo Silva
Ponto fundamental do Centro Histórico, o bar e restaurante também sofre com a crise, mas, de acordo com seu comandante, sua força cultural é maior

Foto: Tácio Moreira / Metropress
A crise do Pelourinho, que já se arrasta há anos, atingiu até a Cantina da Lua: ponto tradicional do Centro Histórico de Salvador, muito mais que um bar ou restaurante, verdadeira embaixada responsável pela revitalização do local entre as décadas de 1980 e 1990. No final da semana passada, o local, fundado há 73 anos, teve parte de seu mobiliário (mesas e cadeiras) leiloado pela Justiça para quitar cerca de R$ 12 mil em dívidas trabalhistas. Por causa disso, os maus ventos da boataria se espalharam pela cidade dizendo que a Cantina fechou. Ou iria fechar.
Clarindo Silva, que há 46 anos comanda o estabelecimento, foi enfático: “A Cantina não fechou nem vai fechar. Enquanto vida eu tiver, jamais! Eu tenho certeza que, se levarem todas as mesas e cadeiras, essas que agora foram postas no lugar, meus clientes, aqueles que sabem a importância desse lugar, certamente comerão com o prato na mão, mas não vão permitir que essa casa feche”. Visivelmente emocionado, ele completou, evocando outros planos de providência: “Deus, que é grande, os irmãos de luz, os orixás não vão permitir que essa casa feche”.
“Minha ligação com o Pelourinho é espiritual”, continua Clarindo, ao lembrar sua trajetória no bairro. “Cheguei aqui com 12 anos como empregado doméstico. Fui batedor de ferrugem, auxiliar de balcão, balconista, sub-gerente, gerente, contador, depois fiz jornalismo, fui trabalhar n’A Tarde, Tribuna da Bahia e, quando meu filho mais velho nasceu, eu abri mão desses dois empregos e arrendei as duas portinhas da Cantina da Lua e não posso abrir mão dessa referência forte”, diz o doutor Honoris-Causa pela Université Libre des Sciences de L'Homme de Paris.
Marco do Tombamento - Frequentado por políticos, intelectuais, turistas e boêmios, localizado estrategicamente na porta do Pelourinho, o bar foi o quartel-general do ressurgimento do Centro Histórico em 1983, com o Projeto Cultural Cantina da Lua, gerador da famosa "Terça-da-Bênção". Foi Clarindo Silva, aliás, quem convidou o bloco Olodum para realizar seus ensaios (então apenas aos domingos) também às terças. "Procure na porta do Ipac, do Iphan ou em qualquer outro órgão se tem um marco do tombamento do Centro Histórico como Patrimônio da Humanidade. Não, o único está aqui nessa casa", provoca.
Prefeitura por um dia - Orgulhoso também pelo fato de o estabelecimento ter sido palco de muitas reuniões, assembleias e decisões políticas, Clarindo Silva, do alto de seus 152 anos bem vividos (ele tem 76, mas conta dias e noites) lembra um desses momentos especiais, quando o então prefeito Mário Kertész despachou direto da Cantina da Lua, promovida assim à Prefeitura de Salvador. "Ele prometeu e cumpriu, veio com sua equipe e despachou nessa mesa onde estamos. São essas coisas raras que precisam ser levadas em consideração e valorizadas ao se falar dessa casa. A Bahia tem que saber valorizar sua história".
Crise - Ao analisar o momento difícil, o comerciante enfatiza que a situação é mais ampla. "Hoje, nós temos 189 estabelecimentos fechados no Pelourinho. E eu me mantenho na luta, diariamente, para não entrar nessa estatística. Os lojistas da região estão em pânico, são milhões em dívidas”, lamenta. Ele acredita que o mito da insegurança atrapalha: "Temos policiamento constante. É um dos pontos mais seguros da cidade, mas, vence o medo. Parte disso é das abordagens para vender ou pedir. É um problema social".
Clarindo sugere medidas: "O Pelourinho precisa ser povoado, ter moradores, ser um bairro normal, com sua peculiaridade. Mas, é claro, precisa também de eventos. Aquele show da lata de leite [acontecia aos domingos, meio-dia, na Praça Quincas Berro D'Água, com grandes atrações da MPB] movimentava muito. Enchia tanto que a gente criou nosso show aqui, pra quem não conseguia entrar. E botamos um armário pra guardar as latas de leite [o valor do ingresso] para os clientes".
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