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Laurentino Gomes: Enquanto a gente não admitir problema racial, Brasil não vai para a frente

Cultura

Laurentino Gomes: Enquanto a gente não admitir problema racial, Brasil não vai para a frente

Em entrevista à Rádio Metrópole, ele relata que precisou ler cerca de 200 livros para abordar o assunto, que, para o escritor, precisa ser tratado com cuidado

Laurentino Gomes: Enquanto a gente não admitir problema racial, Brasil não vai para a frente

Foto: Tácio Moreira/ Metropress

Por: Juliana Almirante no dia 21 de outubro de 2019 às 12:18

O jornalista e escritor Laurentino Gomes se debruça sobre o tema da escravidão no Brasil em seu novo livro "Escravidão, do primeiro leilão de indicativos em Portugal, até a morte de Zumbi dos Palmares". Em entrevista à Rádio Metrópole, ele afirmou que o racismo precisa ser reconhecido e enfrentado no Brasil, para que o país se desenvolva.

"Eu realmente acho que, no Brasil, a gente criou sociedade de castas de fato. Acho que, quando a gente ouve expressões assim: você sabe com quem está falando ou coloque-se no seu lugar. O seu lugar é o cabimento. Nós criamos uma sociedade assim. O problema é que não admitimos que somos uma sociedade miscigenada, que nos misturamos muito rapidamente, e que teríamos nos tornado uma exemplar democracia racial", declarou. 

"Acho que enquanto a gente não admitir que existe um problema racial no Brasil, o Brasil não vai para a frente. Porque desigualdade racial, que é nosso problema, é sinônimo de legado da escravidão. Então se a gente não conseguir entender que temos de fato um problema racial, vai para um hotel, percorre as ruas de Salvador e vê quem está trabalhando e em qual atividade. Em que condições e quem mora onde. É um problema racial e, se não aceitarmos isso, não vamos encarar de maneira adequada", completou. 

Laurentino relata que precisou ler cerca de 200 livros para abordar o assunto, que, para o escritor, precisa ser tratado com cuidado. 

"É um tema grande, complexo, politicamente sensível. É um tema que exige ser abordado com cuidado. A capa (do livro) é circunspecta e não tem coisas pitorescas com os outros. Esse assunto exige abordagem séria e cuidadosa. Mas também foi uma pesquisa muito profunda. Durante seis anos, li cerca de 200 livros e tem gente que diz que é pouco e que deveria ter lido mais. Mas era a bibliografia que eu precisava percorrer", conta.

Laurentino diz que, além de toda a literatura em que se baseou para escrever a obra, também visitou 12 países, oito deles na África, além de ter percorrido as regiões brasileiras que mais receberam escravos africanos. 

"O resultado é um livro que combina pesquisa em fontes referenciadas, de biblioteca, museus, com reportagens, observação de campo. E vi muita coisa interessante, seja pelo que existe pelo que não existe. Visitei, por exemplo, castelos de tráfico de escravos na África, onde cativos, homens, mulheres e crianças, ficavam meses estocados como mercadoria, a espera da chegada do navio negreiro. Visitei Serra da Barriga, onde morreu Zumbi dos Palmares, em Alagoas", afirma. 

O escritor também destaca que identificou a falta da abordagem do assunto, que não é tratada com a devida importância em registros de museus e livros didáticos. 

"Por exemplo, o Brasil que foi o maior território escravista da América, até hoje não tem um grande Museu Nacional  da Escravidão e da Cultura Negra, coisa que Barack Obama fez no EUA, tem na Inglaterra e Angola. É interessante ver como a gente trata esse assunto, seja pelo esquecimento, como não fazer um grande museu, ou por estudar pouco esse asssunto, que aparece pouco em livros didáticos", avalia. 

Conforme Laurentino, no Brasil, a região que mais recebeu escravos foi o Rio de Janeiro, com 2,5 milhões de cativos. A Bahia ficou em segundo, com 1,5 milhão. No entanto, o escritor avalia que a maioria da população baiana hoje é negra porque no Rio houve maior dispersão. 

"Porque a concentração foi maior no Recôncavo Baiano, na cidade de Salvador. Enquanto que no Rio de Janeiro os escravos passavam apenas por ali e eram levados para Minas Gerais, na minas de ouro e diamante, depois nas lavouras. Foram levados para Goiás, para Mato Grosso, nas lavouras do Vale do Paraíba, e depois de café do oeste paulista. Do Rio de Janeiro, iam até para o Rio Grande do Sul, trabalhar nas charqueadas, na pecuária. Então houve dispersão da população negra no Sudeste", pontua.

Outra razão, segundo ele, foi porque a Bahia não contou com uma política declarada de embranquecimento da população, como ocorreu no Paraná. 

"Tinha um projeto discutido de trazer imigrantes italianos, alemães, suíços, espanhóis, e assim por diante, para contrabalancear os números que as autoridades do segundo império consideravam exagerados de negros. Então a capital do meu estado, Curitiba, tinha 47% de população negra. Vai lá e vê hoje, todos branquelos como eu, alemães e italianos. É exemplo de 'sucesso' do projeto de embranquecimento da população. Enquanto que em Salvador isso jamais ocorreu", esclarece. 

Além da obra que acabou de publicar, Laurentino afirma que também escreveu outros dois volumes que ainda serão lançados. 

"O segundo sai ano que vem, que cobre o século 18, o auge do tráfico negreiro no Brasil, quando entram dois milhões de escravos em apenas 100 anos. E o terceiro é sobre o abolicionismo, a lei áurea e o legado da escravidão hoje", conta.