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Terça-feira, 26 de março de 2024

Cultura

‘O grotesco chegou ao poder no Brasil, no Planalto’, acredita Muniz Sodré

Muniz vai ocupar a cadeira de número 33 na Academia de Letras da Bahia, que pertencia a Mãe Stella de Oxóssi

‘O grotesco chegou ao poder no Brasil, no Planalto’, acredita Muniz Sodré

Foto: Tácio Moreira/Metropress

Por: Metro1 no dia 29 de outubro de 2019 às 12:45

O jornalista e escritor baiano Muniz Sodré foi o entrevistado de hoje (29) de Mário Kertész no “Na Linha”. Autor de diversos livros, como “O Império do Grotesco”, Sodré disse acreditar que esse tipo de pensamento, caracterizado primordialmente pelo rebaixamento da reflexão e a simplificação de conceitos, chegou ao poder no Brasil.
 
“Estamos vivendo um momento que o grotesco voltou e chegou ao poder. Chegou ao parlamento, chegou ao Planalto. Na Hungria chegou, na Itália, nas Filipinas também. É um fenômeno mundial. O Trump… mas ele não é tão rebaixado assim”, analisou. 

Para o professor, parte do percurso até os caminhos atuais foi trilhado pela educação fornecida pelos meios de comunicação. “Eu acho que a população brasileira foi educada nos últimos 40 anos pela TV. Pensamos sempre em educação privada, mas existe um pedagogismo público. A TV educou as pessoas pelo consumo. A TV foi realizando a educação política e de rebaixamento político durante anos e precedeu a baixaria, essa baixaria que está nas redes. O parlamento efetivamente, não representa mais causas populares. Vimos os partidos girarem ao redor dos seus interesses, é sempre a luta pelo fundo partidário, como está acontecendo no PSL”, indicou. 

Para Sodré, é nesse “vazio que entra o fundamentalismo”. “É nesse buraco de vazio que entra o fundamentalismo, a política do palavrão, da ausência de liturgia e de dignidade do discurso público”, resumiu. 

Na próxima quinta-feira (31), Muniz Sodré vai ocupar cadeira na Academia de Letras da Bahia (ALB). 

“Fiquei realmente muito honrado. Eu não pedi votos, mas votaram em mim e foi uma satisfação enorme. Eu adoro a Bahia, para mim é um estado exemplar, apesar das dificuldades e da violência”, disse ele. Muniz vai ocupar a cadeira de número 33, que pertencia a Mãe Stella de Oxóssi.

"A cadeira tem como se fosse um fio que passa por gerações. O patrono é Castro Alves, um grande poeta, depois teve como ocupante um escritor baiano muito pouco conhecido, mas que eu tinha estudado. Era Xavier Marques, ele lançou um livro que era estranho à sua época. Era um romance sobre terreiros. Era gente daí [do candomblé]. Depois, veio um médico que eu confesso que não conhecia. Heitor Praguer Fróes era um médico sanitarista, moderno, pós-moderno. Seu grande inimigo era o aedes aegypti. Achava que a solução do Brasil estava no combate ao mosquito. Ou seja, tem uma coisa do coletivo. Depois veio Ubiratam, eram historiadores até chegar a Mãe Stella. Terreiro, negra...", relacionou.

História política e Feira de Santana – Em entrevista a Mário Kertész, Muniz falou sobre passagens da sua infância. Lembrou que, aos seis ou sete anos, conheceu Getúlio Vargas, em uma visita que feita à casa do então prefeito da Princesinha do Sertão, Chico Pinto, que fora cassado pela Ditadura Militar. 

“Eu conheci Getúlio Vargas em um almoço na casa da família Pinto. Eu tinha seis anos e meu pai era um dentista prático e organizador eleitoral. Ele organizou o comício de Getúlio na campanha de 1950”, lembrou. 

A infância no interior da Bahia também rendeu boas histórias, como a chegada de um capelão polonês na cidade. “Quando houve o golpe militar, em 64, chegou em Feira um capelão polonês que dominou a cidade por quase dois anos. Ele tentou mudar os costumes, dominou a cidade sempre com pretexto de combater o comunismo. […] Ele era policial e ficava vestido de policial, gritava coisas em alemão. Eu sempre falei línguas, já nessa época falava e lembro que ele gritava coisas como "pare", "é proibido", em alemão”, relata. 

A história se irmanou com outras tradições. Cidade afeita a mistérios, Feira tinha em muitas casas a inscrição “JMJ”, que significava “Jesus, Maria e José”. A tradição rezava que só as casas com essas letras estariam protegidas “do bicho”, ainda que o tal “bicho” não fosse identificado. “Todo mundo tinha medo da ‘coisa’. Aí chegou o capelão e começaram a chamar ele de ‘bicho’”, relembra, aos risos.

Assista, abaixo, a entrevista completa: