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Mercado de jalecos: Mais da metade dos cursos de Medicina na Bahia tem desempenho abaixo do esperado no MEC
Entre as 24 faculdades de Medicina que fizeram Enade na Bahia, 17 tiveram novas medianas ou baixas
Foto: Agência Brasil/Marcelo Camargo
Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 15 de maio de 2025
Velhos ditados populares têm sempre uma razão para serem velhos e populares: expõem a realidade, a verdade das coisas. Um deles diz que quase nunca quantidade e qualidade andam juntos. O gráfico da relação entre a explosão de escolas de Medicina e a queda do nível de formação desses novos profissionais é prova viva disso. E a Bahia, um raio-x fiel: das 24 faculdades que participaram do último Enade - prova aplicada pelo Ministério da Educação para avaliar os cursos de ensino superior -, 17 tiveram notas baixas ou medianas.
A régua não perdoa
Nos outdoors e comerciais na televisão, a promessa é realização de sonhos em laboratórios equipados e com professores renomados, mas quando o Enade e outros indicadores de desempenho entram em cena, a régua não perdoa. Apenas a UFBA (Universidade Federal da Bahia/Campus Vitória da Conquista) e a UESB (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) chegaram à nota máxima.
Outras veteranas particulares, como Unifacs e Zarns (antiga FTC de Medicina), com mais de uma década de estrada, tiraram 2 de um total de 5. Junto a elas, outras três instituições também privadas - Unifas (Lauro de Freitas), Estácio (Alagoinhas), Ages (Jacobina) - também levaram nota vermelha no boletim. Já as medianas, com nota 3, são maioria no estado, 11 ao todo, e também tomadas pelas instituições particulares. Isso porque outras 13 ainda não tiveram turmas concluintes para realizar o Enade.
Boom seguido do caos
O caso baiano é sintomático de um fenômeno nacional que começou com boas intenções para a saúde pública, mas terminou com o mercado se aproveitando de um nicho e impondo mensalidades de até R$ 15 mil.
O boom nacional das faculdades de Medicina foi impulsionado em 2013, com o lançamento do Mais Médicos, que, entre outros objetivos, queria incentivar a abertura de vagas para garantir atendimento de saúde em lugares mais remotos do Brasil. Acabou, na verdade, incentivando um mercado bilionário. Só após o lançamento do Mais Médicos, 28 novas escolas de medicina foram abertas na Bahia, mais do que o triplo das fundações em 200 anos anteriores.
Diagnóstico de mediocridade
Dessas novas faculdades, quase todas (21) são particulares. Não é para menos, afinal esse mercado movimenta cerca de R$ 26,4 bilhões por ano pegando carona no sonho de uma carreira promissora e reconhecida. O problema é quando entregam à sociedade índices de qualidade medíocres e principalmente profissionais com formação precária, dilemas éticos e insegurança disfarçada por uma enxurrada de pedidos de exames.
Médico não é produto... ou é?
Raymundo Paraná, hepatologista e professor da UFBA, não esconde sua preocupação: "Agora temos profissionais mal formados, com pouca resolutividade no sistema, concentrados nas grandes cidades. Algo que começou errado, continua errado e terminará provavelmente errado", avalia.
O presidente do Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb), Octávio Marambaia, compartilha do diagnóstico crítico. “É muito preocupante um baixo índice dessas faculdades, mas o que nos preocupa, de fato, é que a maioria delas, inclusive as que tiram uma nota um pouco acima, não têm campo de treinamento, não têm corpo docente qualificado e isso resulta em profissionais de baixa qualidade e de baixa capacidade técnico-profissional”.
Para profissionais preocupados com o futuro da educação médica, a entrada de grandes grupos empresariais impõe uma padronização voltada ao lucro, comprometendo a autonomia acadêmica e a qualidade da formação. "São escolas privadas com fins lucrativos e que tratam, de alguma forma, a educação como comércio”, alerta Humberto Lima, coordenador de Medicina da Faculdade Bahiana.
Doses cavalares de capitalismo
Salvador não foge a essa regra e não conseguiu se esquivar também da chegada de redes que impõem modelos focados no lucro. Uneb, Escola Baiana de Medicina, Ufba, Unifacs, Zarns (antiga FTC) e UnidomPedro são as instituições que oferecem o curso na capital. As três últimas são particulares com fins lucrativos e ligadas a grandes grupos.
A UnidomPedro, por exemplo, surgiu com mensalidades de R$ 11 mil em 2020. Quatro anos depois foi comprada por R$ 660 milhões pelo grupo Afya (controlada pela alemã Bertelsmann), que tem expandido seus tentáculos no setor educacional e só no interior da Bahia tem outras três escolas médicas, todas com notas medianas no Enade. A companhia se orgulha em anunciar que tem mais de 23 mil vagas em Medicina no país.
Quem acha que a Unidom é a única que entrou na dança está desatualizado. A FTC agora atende pelo nome Zarns FTC. É administrada pela Clariens, que gere outras três escolas médicas no país, mas tem como fundo investidor um nome de peso: o grupo Mubadala Capital — aquele mesmo que controla a Acelen, dona da Refinaria de Mataripe. Da gasolina ao jaleco, tudo sob o mesmo guarda-chuva árabe. Para completar o mapa, o grupo também comprou a Unesul, em Eunápolis. Há ainda a Unifacs, que foi criada por professores da UFBA, mas depois já rodou na mão de grupos como Laureate e agora, mais recentemente, a Ânima.
Indústria da liminar
Para tentar reverter a explosão de faculdades de Medicina e garantir, de alguma forma, a qualidade do ensino médico, em 2018, o MEC chegou a suspender a criação desses cursos durante cinco anos. Não adiantou. As instituições acharam na Justiça uma aliada e veio então uma avalanche de cursos abertos via liminares. Na Bahia foram seis: Unifamec (Camaçari), Faresi (Conceição do Coité), Unifacemp (Santo Antônio de Jesus), Unex (de Jequié, Vitória da Conquista e de Itabuna).
Outra estratégia que o MEC vai apostar para apertar o controle sobre a qualidade do ensino é a aplicação de uma outra prova, o ENAMED em 2025, além das novas exigências estruturais para a abertura dos cursos. O que preocupa, no entanto, é o atraso dessas respostas e os milhares de médicos com formações medíocres já jogados no mercado. O desafio não é só conter a multiplicação de vagas, mas garantir que cada nova escola cumpra um papel formativo real e ético, contribuindo com a Saúde Pública.
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