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Brasil forma médicos em ritmo recorde, mas recém-formados pulam residência e recorrem a cursos
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Brasil forma médicos em ritmo recorde, mas recém-formados pulam residência e recorrem a cursos
Crescimento desordenado de cursos de Medicina deixa milhares de formados sem caminho para se especializar e alimenta mercado de falsas pós-graduações pagas

Foto: Agência Brasil/Marcelo Camargo
Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 16 de outubro de 2025
O Brasil virou uma espécie de fábrica de jalecos brancos. Com cursos de Medicina que brotam em todo canto, nunca teve tantos médicos saindo das faculdades como nos últimos anos. Esse crescimento seria ótimo - se a formação médica fosse uma linha de montagem. Como não chega nem perto disso, o que se vê é uma legião de médicos recém-formados no mercado que sequer passam pela Residência Médica. São lotes e mais lotes de generalistas por opção que desmontam o discurso de que mais cursos significam mais qualidade na saúde.
Descompasso na linha de produção
A Residência Médica é a forma de especialização mais eficiente na área. Nos últimos anos, ela também cresceu, ganhou mais vagas e mais instituições oferecendo. Mas não acompanhou a explosão de 250% nas vagas de graduação em Medicina nos últimos 20 anos. Ao contrário: a proporção de formandos que conseguem nesse formato caiu de 77% em 2018 para 49% em 2024. Ou seja, se antes, a cada 10 médicos formados, quase 8 entravam na Residência, agora não chega nem a 5.
Na Bahia, o ritmo não é diferente. Em dois anos, o estado ganhou oito novas universidades autorizadas a oferecer cursos de medicina. Ao todo, são 37 escolas e 3.849 vagas no estado - mais de 80% delas em instituições privadas. O número de vagas para Residência Médica também aumentou (36,2%), mas nada comparado ao número de médicos recém-formados anualmente.
Na legislação: especialista é quem tem residência
Na esteira da fábrica de jalecos, milhares de novos médicos no mercado; na esteira do aperfeiçoamento, poucos buscando se especializar. A residência médica é o principal meio para que um médico tenha o título de especialista, o processo pode ir de 2 a 5 anos. Para a legislação, o título de especialista só pode ser usado por quem conclui um programa de Residência Médica reconhecido pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM/MEC) ou obtém o título por meio das sociedades médicas filiadas à Associação Médica Brasileira (AMB). É nesse período que o médico vivencia, de fato, um aprendizado que não cabe em videoaulas nem em cursos de fim de semana.
Esse descompasso entre médicos formados e médicos especialistas tem relação com a qualidade do ensino da Medicina que vem sendo afetada pela proliferação de faculdades. Presidente do Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb), Otávio Marambaia aponta alguns dos fatores que levam recém-formados a não ingressar em uma residência: “candidatos mal preparados têm dificuldade de acessar a Residência, que exige mérito. E muitos querem logo ir para o mercado para quitar as dívidas da graduação”, explica.
Cursos que “vendem” especialização
O movimento de mercantilização do ensino não perde tempo e aproveita também essa brecha com cursos de pós-graduação vendidos como “especialização” mesmo não sendo. Com carga horária mínima de 360 horas e valores que chegam a R$ 30 mil, eles já somam quase metade do número de programas de residência e mais de 50% deles são ofertados à distância ou semipresenciais.sencial. Não precisam de autorização do MEC ou do Ministério da Saúde. Em outras palavras: basta pagar para cursar. Quem quer encurtar o caminho para um suposto título de "especialista" acaba recorrendo a esses cursos que chegam a prometer especialização em áreas sequer reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina.
Hepatologista e professor da Ufba, Raymundo Paraná não tem dúvidas de que a busca por atalhos compromete a qualidade do atendimento e ameaça a saúde pública. “Na medida em que se propõem alternativas que reduzem o tempo e não garantem qualidade, você não resolve o problema, você o amplia. O médico mal formado é perverso para o sistema: ele é inseguro, demanda exames em excesso, não é resolutivo e sai muito caro. E o pior é quando viram figuras da internet, vendendo fórmulas, suplementos e até hormônios sem saber o que estão prescrevendo. Isso adoece as pessoas", alerta.
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