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Medo em sala de aula: violência física e psicológica vira rotina para professores de Salvador

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Medo em sala de aula: violência física e psicológica vira rotina para professores de Salvador

Agressão de alunos, ameaça de país, pressão de donos de escola e até tentativa de envenenamento expõem a violência física e psicológica que atinge profissionais das redes pública e privada em Salvador

Medo em sala de aula: violência física e psicológica vira rotina para professores de Salvador

Foto: Reprodução

Por: Daniela Gonzalez e Victor Quirino no dia 06 de novembro de 2025 às 06:00

Nas escolas públicas e particulares da Bahia, e no Brasil inteiro também, professores carregam mais do que livros e planos de aula: convivem diariamente com a sensação de serem alvos. Não apenas pela violência explícita, mas pelo silêncio que ronda corredores, pela pressão institucional, pelo desrespeito que se infiltra na rotina. O que era lugar de ensinar se transforma em cenário de insegurança.

Basta uma busca rápida na internet para perceber que a sala de aula virou manchete, e não pelas boas notas. A cada rolagem, um novo episódio: brigas, ameaças, tapas e até tentativas de envenenamento. Na última semana, quatro alunos do Colégio Estadual Edson Carneiro (veja imagem aérea da unidade na página ao lado), situado no bairro de São Caetano, em Salvador, foram flagrados tentando misturar chumbinho em balas para entregar a duas professoras. O plano, descoberto antes de ser executado, foi denunciado por colegas à direção. A Secretaria da Educação do Estado (SEC) informou que o caso foi registrado na Polícia Civil.

João Neto, professor de uma escola municipal de Salvador, conta que a violência já atravessou sua rotina mais de uma vez: “Já fui ameaçado por aluno e por responsável. Uma vez, o pai de um estudante invadiu a coordenação por causa de uma nota e, aos gritos, me empurrou. Foi um daqueles momentos em que a gente percebe que a escola deixou de ser um lugar seguro”.
Neto conta que o medo não se resume ao susto do momento, mas às marcas que ficam. 

Ele diz que passou a planejar as aulas com mais cautela, “como quem desarma uma bomba”, evitando discussões que antes encarava com naturalidade. Deixou de aplicar punições em público e limita o contato com famílias quando percebe sinais de tensão. Já pensou em abandonar a carreira, pedir transferência ou buscar outra profissão. Segundo ele, não é o único. “Não estamos falando de casos isolados. Em conversas com professores de três ou quatro escolas diferentes, as histórias se repetem: agressões verbais no corredor e pais que exigem ‘respostas rápidas’”, detalhou. 

Violência é cada vez mais normalizada

Antônio*, nome fictício usado para preservar a identidade do professor, atua nas redes pública e particular. Ele descreve um cenário de tensão crescente nas escolas pagas ou não e conta que já presenciou estudantes entrando em sala de aula com facas e até spray de pimenta.  A sucessão de episódios, disse, levou ao adoecimento. “Acumulei um estresse pós-traumático que quase virou depressão”, relata. 

Embora o Estado tenha adotado medidas como detectores de metais e identificação facial, o professor afirma que o controle ainda é falho. “Essas tecnologias não impedem que pessoas de fora, ou mesmo pais, entrem nas salas. Já vimos professores sendo ameaçados dentro da escola, e, se não fosse a intervenção dos alunos, a agressão teria acontecido.”

Ele diz que a violência se tornou progressiva e, pior, normalizada. “Hoje, o professor é visto como alguém que tem de suportar tudo. A sociedade ainda trata a docência como um sacerdócio, e o resultado é um profissional sobrecarregado, sufocado e adoecido.” 

Segundo ele, apenas em sua unidade sete professores estão afastados por problemas de saúde mental, entre diagnósticos de burnout e estresse pós-traumático. “A legislação protege o aluno, e deve proteger, mas o professor fica à margem. A lei que criminaliza agressão a servidor público existe, mas não é aplicada em todos os Estados. No fim, quem está na linha de frente segue sozinho.”

Pressão ‘invisível’ nas particulares

Nas escolas particulares, o medo tem outro uniforme. Ele não vem armado, mas se veste de cobrança, meta e avaliação de desempenho. Professores relatam que, entre mensalidades caras e “clientes exigentes”, o respeito se mede pela satisfação do pai, não pela autoridade do mestre. A violência, nesse caso, é polida, mas constante: chega por e-mails atravessados, reclamações em grupos de WhatsApp, críticas públicas em redes sociais. 

A escola se torna uma vitrine; e o professor, um produto que precisa agradar, mesmo à custa da própria saúde mental. É o medo de ser demitido por um boletim mal interpretado, uma fala mal-entendida. É a violência que não sangra: o desgaste emocional. A cobrança para manter a “boa imagem” da escola, a pressão por resultados e o silêncio institucional diante de ameaças e humilhações. O professor que denuncia arrisca o emprego; o que se cala, adoece em silêncio.

Em escolas mais tradicionais, Antônio diz que o cuidado é redobrado. “O medo maior é de ser mal interpretado. Um comentário sobre história ou política pode ser recortado, gravado, distorcido. Basta um vídeo fora de contexto para virar acusação. E quando a família de um aluno pede explicações, o professor já começa o dia com o emprego na corda bamba.”

Papel, lápis e intimidação 

Igor Oliveira, formado em História e com quase 20 anos de sala de aula, carrega nas palavras o peso de quem viveu o medo e o cansaço por dentro. “Sim, eu já sofri caso de violência. E acredito que a maioria dos professores, seja da rede pública ou privada, também já passou por isso”, contou ao Jornal Metropole. 

No fim, a pergunta que fica é inevitável: o que está acontecendo com a educação? Se professores como Igor ainda lutam por salários dignos, valorização e estrutura e mesmo assim viram alvo de agressões e abandono, quem ainda vai querer, e conseguir, permanecer nessa sala de aula que se tornou campo de resistência?

O presidente da Associação dos Professores Licenciados do Brasil (APLB), Rui Oliveira, diz que os casos de assédio moral e intimidação tornaram-se parte da rotina das escolas baianas, atingindo não apenas professores, mas também coordenadores e outros profissionais da educação. “O que acontece mais é assédio moral, intimidações, além de alunos e pais que desrespeitam professores”, afirmou. 

O dirigente destacou que as ocorrências se repetem tanto na rede municipal quanto na estadual e tem se agravado com o tempo. Para ele, o aumento da hostilidade tem raízes profundas como a desagregação familiar e a normalização da violência nas relações cotidianas. 

Apagão de dados na Bahia e no Brasil

Os números até existem, mas são tímidos, dispersos, escondidos atrás de protocolos e notas oficiais. É curioso: quando o assunto é desempenho escolar, há gráficos, metas, relatórios coloridos. Quando é sobre violência contra quem ensina, o silêncio toma o quadro. As estatísticas são fragmentadas, chegam com atraso ou simplesmente não chegam.

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) registrou, entre janeiro e setembro de 2023, 9.530 denúncias de violência em instituições de ensino contra professores, um aumento de quase 50% em relação ao mesmo período do ano anterior. 

Desde então, só silêncio. Não há dados públicos consolidados sobre 2024 ou 2025, nem atualizações periódicas do levantamento. A dificuldade em encontrar registros recentes escancara o tamanho do apagão estatístico: o país mal sabe quantos docentes são agredidos, ameaçados ou humilhados em serviço.

Longe do radar do Poder Público

Em Salvador, a Secretaria Municipal da Educação (Smed) informou que, neste ano, apenas um caso de agressão foi oficialmente registrado: o de uma mãe que atacou a gestora de uma escola em abril. Já a Secretaria da Educação do Estado da Bahia (SEC) informa que não dispõe de recorte estatístico sobre violência contra professores.

A chefe da SEC, Rowenna Brito, diz que o estado mantém uma política contínua de acompanhamento e apoio aos profissionais da rede, com foco nas saúdes física e emocional.  A secretária comentou o episódio da tentativa de envenenamento. “A gente vai sempre acompanhando para tentar evitar alguma situação como essa que aconteceu”, completou.