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Depoimentos de professores revelam padrão de descontos indevidos e contratos inexistentes em atuação do Credcesta
Estados como PR, MT, RJ e até o próprio INSS suspenderam os repasses de consignados para o banco. A Bahia não está entre eles

Foto: Divulgação
Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 11 de dezembro de 2025
Professor aposentado da rede estadual de ensino, Jorge Anjos de Oliveira, foi surpreendido em janeiro deste ao extrair o contracheque disponibilizado pelo portal de RH do governo da Bahia e ver o primeiro de uma série de descontos mensais de R$ 715 com a seguinte rúbrica: "Compra Credcesta". Morador de Jaguaquara, no sudoeste baiano, Oliveira recorreu à Justiça local em junho para impedir que o Banco Master, até então controlador do lucrativo cartão de crédito e de empréstimos consignados para servidores do estado, continuasse a debitar o valor e devolvesse os R$ 4.257 que já tinha retirado de sua conta. Alegou que jamais havia solicitado ou utilizado o cartão e que ele sequer chegou a ser entregue na residência onde mora.
Print não é contrato
O Banco Master deu testa. Afirmou que "o autor teria efetivamente contratado o cartão Credcesta, desbloqueado o plástico e realizado operações, inclusive adesão a pacote de vantagens e compras. Juntou prints de tela do sistema como supostas provas e pediu que a Justiça negasse o pedido do aposentado. Acontece que Oliveira também havia anexado documentos que comprovavam a ausência da chamada contratação consciente. Em setembro, a juíza titular de Jaguaquara, Andréa Padilha Sodré Leal Palmarella, deu ganho de causa ao professor e determinou que o banco, além de interromper os descontos, restituísse em dobro o que subtraiu do cliente e ainda pagasse indenização por danos morais.
Em sua decisão, a juíza destacou que o Master não anexou ao processo "contrato assinado, comprovante inequívoco de adesão ou autorização expressa do autor, tampouco prova da efetiva utilização pessoal do cartão". Ao mesmo tempo, Andréa Palmarella aplicou um passa-moleque no banco, ao dizer que a cobrança indevida diretamente no contracheque do servidor comprometia a subsistência dele: "Considerando a gravidade da conduta, a condição de idoso do autor, o tempo de descontos e a função pedagógica da indenização, fixo a compensação por danos morais em R$ 5.000, quantia proporcional e razoável diante do caso".
O rastro deixado pelo Master
O relato sobre a cruzada jurídica enfrentada por Jorge Oliveira faz parte da ação direta de inconstitucionalidade movida pela Associação dos Funcionários Públicos do Estado (Afpeb) contra o governo da Bahia no fim de novembro, a reboque da operação que resultou na liquidação extrajudicial do Banco Master e na prisão dos dois donos do Credcesta - o mineiro Daniel Vorcaro e o baiano Augusto Lima, ambos já libertados por ordem do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Existem pelo menos outros quatro casos muito semelhantes ao de Oliveira nas quase mil páginas que compõem o processo da Afpeb contra o governo baiano por conta da exclusividade dada ao banco sobre os empréstimos consignados para servidores. Em todos, as vítimas são professores, da ativa ou aposentados.
Máquina de descontos indevidos
Sandra Lucia Braga Ferreira, por exemplo, recorreu à Justiça após ver descontos de R$ 637 nos contracheques de setembro e outubro do ano passado referentes a compras no Credcesta. Na ação, a professora que atuava em uma escola pública da capital disse que possuía, anos atrás, "cartão de crédito consignado emitido pela parte ré (o Banco Master), o qual fora bloqueado a seu pedido, sem realizar qualquer compra". Após constatar os descontos, verificou que se tratava de um cartão diverso do obtido anteriormente, com final 7231, e observou diversas compras com denominação "Apple.com/bill", realizadas em 25 de agosto de 2024, alcançando valor de até R$ 799,90. Alegou, portanto, ter sido vítima de fraude".
Dessa vez, o Master admitiu a irregularidade, mas garantiu que "todas as medidas administrativas foram adotadas em breve tempo para solução do problema da cliente", "que o bloqueio do cartão foi realizado quando a autora entrou em contato" e que "procedeu com a suspensão das compras lançadas na fatura". Destacou ainda "que não houve qualquer ato ilícito ou conduta passível de indenização, vez que foram adotados, de maneira célere e efetiva, todos os procedimentos necessários para garantir que a autora não fosse prejudicada". Os argumentos não convenceram a juíza Lívia de Melo Barbosa, da 1ª Vara do Consumidor em Salvador.
Ao condenar o banco a restituir em dobro os valores cobrados indevidamente e a pagar indenização de R$ 5 mil a Sandra Lucia, a magistrada reforçou que os indícios de fraude eram claros e criticou duramente o Master pela conduta. "A autora teve valores descontados indevidamente de sua remuneração, teve que se desdobrar em contatos com o banco para resolução do problema, sem êxito, o que ocasionou a necessidade de ajuizamento da presente ação. Tais circunstâncias ultrapassam o mero aborrecimento cotidiano, configurando dano moral indenizável", salientou a juíza, para quem a instituição financeira não apresentou provas de que a servidora "solicitou o cartão, que o recebeu ou que realizou as compras contestadas".
A farra das compras que ninguém fez
Em vídeo também incluído na ação da Afpeb, o professor aposentado Everaldo Alexandre Mattos, outra vítima do Credcesta, desabafou sobre a série de descontos indevidos que o levou a procurar abrigo na Justiça. "Estou sendo roubado pelo Banco Master. Eu nem sei pra que lado vai esse banco. Nunca fiz empréstimo com ele. Cartão eu não tenho, e ele fica me mandando boleto. Ultimamente, fica me assediando, dizendo que vai me colocar no Serasa. Inclusive, já mandou aviso pra mim. É preciso tomar uma atitude urgente com esse banco, para eles pararem de roubar os professores aposentados do estado da Bahia", disparou Mattos, que também venceu, em 28 de agosto deste ano, um processo contra o Master por danos morais e descontos indevidos.
Mais duas professoras aposentadas que viram a mão do Credcesta deslizando sobre seus contracheques desde 2024, Teresa Maria Duque Pinto Mota e Mara Rúbia Pedreira de Oliveira Guimarães comprovaram em ações individuais que o Master atuou de forma fraudulenta ao cobrar valores relativos a compras que nunca realizaram. Em conversa com o Jornal Metropole, o advogado que representa a Afpeb, Jorge Falcão Rios, disse que, fora as fraudes, todos os servidores citados nesta reportagem dividem as agruras de ver empréstimos com juros extorsivos e descontos indevidos consumirem entre 80% e 90% dos rendimentos líquidos, condição de quase falência.
"Nós constatamos recentemente um número muito elevado de denúncias de compras no Credcesta que não foram realizadas. Como muitos servidores estão no limite máximo de endividamento permitido para os consignados que eram do Banco Master, nossa suspeita é de que eles estão usando as compras. O que permite extrapolar esse teto. Já há decisões de outros estados suspendendo os repasses de consignados para o banco, caso do Paraná. Mato Grosso, Rio de Janeiro e até do próprio INSS. Vamos ver se na Bahia acontece a mesma coisa", emendou Rios. Em tempo: com o Master sob suspeita, Daniel Vorcaro deixou a operação do Credcesta, agora sob controle do Banco Pleno, criado por Augusto Lima.
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