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O comício do imbrochável

O comício do imbrochável

O que ouvimos por décadas, a ladainha do Brasil como o país do futuro, foi um blefe. Se o futuro é hoje, o país chegou nele meio claudicante

O comício do imbrochável

Foto: Reprodução

Por: Malu Fontes no dia 08 de setembro de 2022 às 09:41

O apelo para recorrer ao trocadilho é irrecusável. Agora, são outros 200. O que ouvimos por décadas, a ladainha do Brasil como o país do futuro, foi um blefe. Se o futuro é hoje, o país chegou nele meio claudicante, para usar um adjetivo suave. Acordamos num país que, no máximo, confirma que somos um lugar condenado a esperar: esperar o futuro, no futuro, durante o futuro. Os detalhes dizem muito e é neles que o diabo mora, embora muita gente prefira vê-lo, o diabo, e tratar dele como se fosse coisa de Deus. 

No 7 de setembro do aniversário dos 200 anos da independência do Brasil de Portugal, não poderia haver detalhe mais ilustrativo do fundo do poço onde estamos. Antes do desfile cívico, em Brasília, o presidente da República, Jair Bolsonaro, recebeu, para um café da manhã, ministros de estado, dirigentes de instituições públicas e as azeitonas da empada do bolsonarismo: o pastor Silas Malafaia, o ‘véio da Havan’, Luciano Hang, Morongo, o dono da Mormaii, e as respectivas conjas, com figurinos equivalentes à estatura do bando.

No resto do evento, apesar de todos os sinais e das toadas da véspera, com ameaças de invasão de caminhões em Brasília, da convocação nacional de atiradores, de paraquedistas ameaçando tocar o terror e do presidente insinuando a volta a 1964 e uma ruptura institucional, essa expressão composta que significa golpe de estado, a coisa ficou só na tosquice. E por falar em cena tosca, coitado do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo, que ficou na tribuna de honra do desfile cívico lado a lado com o véio da Havan. A diplomacia já teve dias melhores.

As criancinhas e o tônus do falo

E dizer o que, da multidão verde e amarela na Esplanada dos Ministérios, como num rock in DF avessado, aplaudindo o presidente repetir que é imbrochável, imbrochável, imbrochável? O que leva um presidente, no dia do aniversário de independência do seu país, a gritar para o povo a performance do seu falo? Quem o aplaude, deve saber. Mas, no atual contexto das coisas, é coisa para comemorar, que a palavra de ordem predominante dos 200 anos seja imbrochável e não golpe. Se foi propaganda do Cialis, medicamento que o presidente já admitiu usar, ou se falocentrismo, quem se importa?

Em bom português, o que o presidente da República fez no bicentenário foi um comício, não uma cerimônia, comemoração, celebração ou coisa que o valha. E, na fábula das raposas que é Brasília, parece significar muito que os representantes dos outros poderes tenham se recusado a participar do ato. Nem Arthur Lira, representando a Câmara dos Deputados, nem Rodrigo Pacheco, representando o Senado, e muito menos Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal, deram as caras no circo. 

Depois de thcutchuca do centrão, eis de novo a imprensa internacional enchendo seus textos de aspas, itálicos e apostos, para traduzir nas mais diferentes línguas o que significa imbrochável. 

E como vivemos sob o signo do paradoxo, com Deus acima de tudo e de todos justificando o armamento da população, nada menos contraditório do que pregar os valores familiares e a pureza das criancinhas enquanto se berra para a multidão o tônus do próprio falo. Mas quem há de negar que é preferível isso a
malucões atirando a esmo? Para a gente ser viável, como país, serão outros 200.