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Sexta-feira, 01 de dezembro de 2023

Quando o armário da cozinha é o marido

Mais difícil que empreender neste país é ser mulher no mundo,

Quando o armário da cozinha é o marido

Foto: Reprodução

Por: Malu Fontes no dia 16 de novembro de 2023 às 00:00

Nos hospitais, nos prontos-socorros, nos postos de Saúde da Família, quantas crianças chegam doentes, com hematomas, ferimentos, por travessuras que nunca ocorreram… E quantas mulheres com a cara num tom arroxeado polvo chegam ao trabalho, circulam nas ruas numa segunda-feira, todas machucadas por uma queda que nunca existiu, por um tombo de uma bicicleta que nunca existiu, uma queda de uma escada numa casa toda térrea, por uma ponta do armário da cozinha… Não todas as vezes, mas muitas vezes, o machucado, o osso quebrado, a pele roxa, o supercílio com aspecto cinza escuro não foram quedas, não foram facas descascando cebola.

Quem atua na linha de frente da medicina de emergência sabe muito bem que a porta de um armário mal aberta que acaba cortando o supercilio de uma mulher que a abriu descuidadamente na cozinha de casa é, na verdade, um marido violento. Não foi uma nem duas vezes que uma mulher que se submeteu a um procedimento clandestino para abortar, por não poder nem querer ter um ou mais um filho, saiu de uma consulta médica com a vida já sob o escrutínio da polícia. Sim, pela atual legislação brasileira, um aborto feito dá ao médico que atende a mulher com complicações no processo o direito de denunciá-la. E à polícia o de prendê-la.

Mas quantas mulheres com agressões severas ou graves não passam por consultórios e prontos-socorros e saem medicadas e com curativos feitos por lesões atribuídas ao armário da cozinha, à faca que corta o frango, sem que ninguém sequer lhes insinue perguntas colocando em xeque a razão do machucado, para que isso se transforme em um estímulo para denunciar homens agressores no espaço doméstico? E aqui entra o caso Ana Hickmann e o fato de ela ter apanhado, dentro de casa, diante de filho pequeno e de empregados.

Terreiro doméstico

O fato de o marido de Hickmann ser cínico, frio, fdp, e de se achar intocável o suficiente para ligar pessoalmente para fofoqueiros de sites e redes para questionar a razão de estarem inventando coisas, leva a imaginar o que não acontece há anos naquela família. Depois do “não aconteceu nada” na cozinha da mansão da família, já vieram à tona muitos milhões de reais em diferentes bancos. Este era o tom das notícias já na segunda-feira: “Após admitir dívida milionária, marido de Ana Hickmann alega que não queria manchar nome da apresentadora/Acusado de agressão, o empresário Alexandre Correa afirmou que sua mulher ‘só trabalha e produz’ e ‘promove o empoderamento feminino’.

Tudo verdade. O macho agressor obviamente não iria querer manchar o nome da ave emplumada dos ovos de ouro que ele considera propriedade sua. Só queria manter o status quo no terreiro doméstico, deixar claro que as portas machucam quando o dono tem seus impulsos violentos. Mas como o diabo quando quer faz tudo certo, imprensou o braço da modelo na porta e, na esteira da agressão, furou a bolha que protegia a vida perfeita de fachada. Por enquanto, vieram à tona os milhões em dívidas. Manchou o nome da mulher, expôs o filho e devassou as dívidas. Mas, adivinha na conta de quem colocou a responsabilidade das contas no vermelho? Do país. Não é fácil empreender neste Brasil, disse Alexandre Correa. Mais difícil que empreender neste país é ser mulher no mundo.