Como começam os desastres
Quantos Rio Grande do Sul vamos ter que viver para entender que não é mais possível viver degradando as cidades?
Foto: Reprodução
No ano passado, o Brasil teve 1.161 eventos extremos, ao custo de R$ 105,400 bilhões. Parte do Rio Grande do Sul vinha com seca já há três anos e, só no ano passado, teve sete enchentes no estado. É literalmente incalculável o custo da reconstrução do Rio Grande do Sul. Hoje, 425 dos 497 municípios do estado já foram atingidos e mais ou menos 350 foram afetados de maneira importante ou grave. Cidades inteiras terão que ser reconstruídas. E se o nível de chuvas se manter como esse, elas não poderão mais ser feitas nos locais onde estavam. Calculemos o custo disso.
Vamos falar agora de responsabilidades. No dia 9 de abril, três semanas antes do dilúvio e consequente calamidade, o governador Eduardo Leite, atendendo à base ruralista, sancionou uma lei que flexibiliza regras ambientais para a construção de barragens em áreas e proteção de preservação permanente. As entidades rurais defenderam essas barragens para diminuir impactos da estiagem de três anos. Ambientalistas não se cansaram de alertar para os riscos ao meio ambiente. Tudo isso só três semanas antes de explodir como aconteceu agora.
Esse mesmo governo, quando chegou ao poder em 2019, vetou ou alterou 480 pontos do Código Ambiental que haviam sido debatidos exaustivamente ao longo de nove anos. Enchentes no ano passado e o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, não investiu nem um centavo em prevenção. Com a calamidade, ele recomendou a alguns moradores de alguns bairros - não havia outro jeito - que deixassem suas casas. Quem pôde foi para o litoral: “fujam para as praias”, o que é uma adaptação do “fujam para as montanhas”.
Mais responsabilidades: de R$ 1,6 bilhão em emendas individuais ou de bancada, a bancada gaúcha no Congresso destinou apenas R$ 2,5 milhões para enchentes, prevenção, proteção ambiental e assemelhados. Isso depois de sete enchentes no ano passado e uma, a última delas, em setembro, com 54 mortes.
Fernanda Melchionna (PSOL) mandou um milhão, o senador Paulo Paim, as deputadas Maria do Rosário e Reginete Bispo, do PT, também mandaram. E além deles, os deputados Carlos Gomes (Republicanos), Márcio Biolchi (MDB) e felizmente Alceu Moreira (MDB). Porque felizmente? Porque Alceu compõe, junto com Carol de Toni (PL-SC) e Lucas Rebeca (PSDB-RS), um trio sulista de parlamentares que em março propôs e aprovou na comissão de Constituição de Justiça uma aberração: o Projeto de Lei 36419, que altera o código florestal do Brasil e deixa sem proteção cerca de 48 milhões de hectares de campos nativos em todo o país. Isso é igual a soma do Paraná e Rio Grande do Sul.
O projeto consolida como área rural tudo que não seja floresta: campos de altitude, campos ativos, bosques, tudo vira área para agropecuária. Essa medida impacta 50% do Pantanal, (7,4 milhões de hectares), 32% dos Pampas (6,3 milhões de hectares), 7% do Cerrado (13 milhões de hectares) e quase 15 milhões de hectares na Amazônia.
Então vamos ver como é que são construídos esses desastres. Votou nisso gente como o deputado Marcel Van Hatten, que agora nas redes faz vídeos solidários para os que perderam tudo por conta do desprezo parlamentar ao meio ambiente. Arthur Lira e Rodrigo Pacheco foram com Lula a Porto Alegre, solidários, com comissões urgentes, etc. Para quê? Para desfazer o estrago ambiental que o Congresso ajudou e ajuda a criar. A bancada do boi, de braços dados, com da bala e da Bíblia, por exemplo, votou, pelo PL do veneno e insiste no marco temporal para grilarem terras indígenas.
A frente parlamentar ambientalista, nesta semana, listou 28 projetos que atiçam a degradação ambiental, que agravam a crise climática e estão lá no Congresso para serem votados. A metade desses 28 projetos tocada por dois partidos: PL, do ex-presidente Bolsonaro e Valdemar da Costa Neto, e o PP, do Arthur Lira. E grande parte dos parlamentares do Rio Grande do Sul e Santa Catarina votando nisso.
E o Rio Grande do Sul, agora num dueto com as mídias dominantes, tem um mantra sendo dito que é o seguinte: não é hora de buscar os culpados. “Não é hora de buscar os culpados”, dizem os culpados. Quantos Rio Grande do Sul, quantas Porto Alegre, nós temos que viver para entender que não é mais possível viver degradando as cidades? Falemos, por exemplo, da Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, que esteve em Salvador há semanas e se reuniu com arquitetos, representantes, comunidades que estão sob ataque - Buracão, Stella Maris. Fez bem. Os ministérios do Meio ambiente, Cidade, Cultura e Desenvolvimento Social não podem continuar alheios à degradação das cidades, como o que a gente viu no sul.
* A análise foi feita pelo jornalista no programa Três Pontos, da Rádio Metropole, transmitido ao meio-dia às quintas-feiras
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