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O custo Brasília e o leite condensado

O custo Brasília e o leite condensado

Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas, professora da Facom/UFBA e colaboradora da Rádio Metrópole

O custo Brasília e o leite condensado

Foto: Angeluci Figueiredo

Por: Malu Fontes no dia 28 de janeiro de 2021 às 08:20

Uma fotografia em que aparecem, vistas de cima, as mansões onde moram, bancados pelo poder público, pelo contribuinte, os presidentes do Senado e da Câmara, foi publicada há uma semana na capa da Folha de S. Paulo. O propósito era ilustrar tudo o que está em jogo, inclusive as benesses, quando se fala na disputa no Congresso Nacional pela presidência das duas casas, até aqui comandadas por Rodrigo Maia, Câmara, e Davi Alcolumbre, Senado.

As mansões, localizadas ao lado de dezenas de outras, na Ministérios, à beira do Lago Paranoá, são a tradução do quanto o Brasil está a anos-luz de enfrentar as distorções e as desigualdades promovidas pelo próprio poder público. E não se trata ali apenas da estrutura física das casas, mas de todo o combo que vem junto. Muitos empregados, abastecimento de dispensas com itens dos mais sofisticados, jatinhos. Quanto custa ao contribuinte a rotina dos confortos e a vida doméstica de cada autoridade dos primeiros escalões do Governo? Quanto Brasília custa ao Brasil, em privilégios inerentes aos cargos? Só em comida palacianas em 2020, o contribuinte pagou R$ 1,8 bilhão. 

Janeiro começou mais intenso e tenso do que se imaginava. A contaminação pela Covid não recua. Ao contrário, recrudesce na forma como têm morrido pacientes nos estados do Norte, por asfixia. O sistema de saúde colapsou, pelo excesso de pacientes, pelo agravamento de muitos casos e pelo fim do estoque de cilindros de oxigênio. O mês vai fechar superando os 220 mil mortos. E enquanto o presidente da República e o ministro da Saúde, este em processo de queda, batem cabeça sem estratégias para a compra e a aplicação da vacina, a semana começa com uma caricatura do custo Brasília: o consumo de leite condensado pelo Poder Executivo em 2020 consumiu 15 milhões de reais, o que equivale a mais de dois milhões de latinhas. A explicação que circula é a de que o leite condensado é, em grande parte, para o consumo das Forças Armadas.

Depois de muito barulho feito nas redes sociais por conta do carrinho de compras do Executivo federal, começaram a circular também editais levantados de gestões anteriores a Bolsonaro, mostrando que a quantidade já era consumida em governos anteriores. O que teria mudado seria apenas a variação de preços do produto no mercado, entre uma licitação e outra. Coincidência ou não, no mesmo dia em que as latinhas foram assunto, o Portal da Transparência, que publiciza as contas do governo federal, saiu do ar. 

MAMATA - A essa altura pouco importa aos brasileiros se o Governo gasta R$ 15 milhões em leite condensado, R$ 2,2 milhões em chicletes, R$ 8,9 milhões em chantilly, R$ 32,7 milhões em pizza e refrigerante e outras cifras elevadas em amendoim torrado e rapadura. Os valores impressionam, mas os buracos do dinheiro público são sempre mais fundos e levam a sumidouros dos quais a gente não tem ideia. O leite condensado é o meme da vez apenas porque Jair Bolsonaro tem predileção pelo produto. Desde a campanha, adora aparecer comendo pão melado com camadas do doce. E para quem foi eleito com o mantra do “acabou a mamata”, 15 milhões de reais em leite condensado é uma metáfora perfeita, e bem cara, para desenhar o quanto, no Brasil, não importa quem assuma o poder, continua-se mamando. 

No mesmo dia em que redes e imprensa destacam os 15 milhões gastos em 2020 só com o leite condensado para a Presidência, os ministérios e as autarquias, a gente aprende que cada país elege suas prioridades: o governo anunciou o corte de 68,9% da cota de importação de equipamentos e insumos destinados à pesquisa científica, o que afeta diretamente as pesquisas desenvolvidas pelo Instituto Butantan e pela Fiocruz no combate à pandemia da Covid-19. Ah, e só a título de comparação: 15 milhões equivalem a um valor cinco vezes maior a tudo o que foi destinado no ano ao Inpe para monitorar por satélite a Amazônia, o Pantanal e as áreas florestais de todo o país. As mesas da Esplanada, das penínsulas e dos palácios de Brasília terão sempre prioridade. 

Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas, professora da Facom/UFBA e colaboradora da Rádio Metrópole