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Rios reais de chorume

Rios reais de chorume

Como, em 2025, autoridades públicas e empresários do segmento de aterro sanitário tenham permitido que um lixão colapsasse no alto de uma serra, derramando ‘piscinas olímpicas’ de água podre no que antes era um rio limpo, potável e fonte de abastecimento de dezenas de comunidades rurais?

Rios reais de chorume

Foto: Metropress

Por: Malu Fontes no dia 10 de julho de 2025 às 06:05

Na economia da atenção, os textos já não conseguem dizer muito. Quem os lê? Valem os cortes, as imagens em movimento que, se integrais, extensas, também ninguém presta atenção. De tão assombrosas, algumas imagens exigem um texto que possa descrevê-las melhor. Na edição do Jornal Nacional de terça-feira, as palavras rio, lixão colapsado e chorume pareciam insuficientes para as imagens aéreas de uma região montanhosa de Goiás. O jornalismo ainda usa clichês com zero clareza para traduzir infernos. 

O repórter dizia em off que o equivalente a 16 piscinas olímpicas de resíduos sólidos e chorume havia sido arrastado para dentro de um rio porque um lixão colapsou. Que telespectador tem ideia visual ou matemática do que são 16 piscinas olímpicas de chorume? Mas a inadequação jornalística percebida na informação não passa, nesse caso, de fuga semântica de quem ouve para borrar a sensação de estar diante da falta de sentido da informação. 

Como, em 2025, autoridades públicas e empresários do segmento de aterro sanitário tenham permitido que um lixão colapsasse no alto de uma serra, derramando ‘piscinas olímpicas’ de água podre no que antes era um rio limpo, potável e fonte de abastecimento de dezenas de comunidades rurais? O nome do lixão é distopia registrada em cartório e não ironia ou trocadilho de mau gosto: Ouro Verde. O colapso do solo com toneladas de lixo depositado por anos aconteceu no município de Padre Bernardo, contaminou com chorume e metais pesados tóxicos quatro mananciais e chegou ao Rio Maranhão, 50 km distantes do aterro. 

Marco Aurelio nu

Previsões mais otimistas dão conta de que retirar o lixo que continua em queda lenta sobre o córrego num vale exige 40 mil viagens de caminhão, numa região que não tem estradas. E se houvesse, caminhões carregados não conseguiriam subir o morro. A única medida concreta até agora foi a aplicação de uma multa à empresa responsável, de R$ 37 milhões, que não farão peixes sobreviverem nem devolverão água limpa para animais e população. 

Tudo parece ficção, numa diluição de fronteira entre o jornalismo, sua metáfora obscura de piscinas olímpicas e a teledramaturgia. Na novela, no mesmo dia, Marco Aurélio, o vilão estiloso, toma champanhe nu numa banheira de espuma e anuncia que quer sair do ramo da aviação e abrir uma empresa de mineração. “O dinheiro saiu do ar e está embaixo da terra”. O futuro chegou, cheio de chorume.