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Pessoas públicas, comportamentos privados e o bode do Palácio

Pessoas públicas, comportamentos privados e o bode do Palácio

A moral da história foi roteirizada pelo espírito do tempo: as redes sociais, a cultura do print, o cancelamento, o combate ao machismo, a intolerância com as carteiradas autoritárias, o protagonismo das mulheres e das diferentes vertentes do feminismo

Pessoas públicas, comportamentos privados e  o bode do Palácio

Foto: Reprodução Jornal da Metropole

Por: Malu Fontes no dia 05 de agosto de 2021 às 11:48

O episódio envolvendo o agora ex-secretário de Saúde do Estado, Fábio Vilas-Boas, e a chef de cozinha do restaurante Preta, na Ilha dos Frades, Baía de Todos-os-Santos, é só mais um dos laboratórios demonstrativos da borração das fronteiras entre o público e o privado. A reação intempestiva e de ira do secretário, ao fazer uma reserva no restaurante, onde só é possível chegar de barco, e encontrar, por volta das 15h e 30min do último domingo, o estabelecimento fechado, foi incondizente com qualquer pessoa civilizada. 

Se há algo de que é impossível duvidar é da perspectiva de que Vilas-Boas, médico e secretário de saúde do Estado desde 2015, deve se arrepender, pelo resto da vida, das atitudes que teve pela frustração de não poder almoçar onde queria, com 14 convidados, após o passeio de barco pela baía. Sua ira lhe custou o cargo, um massacre nos métodos de linchamento virtual e cancelamento via redes sociais, exposição em toda a imprensa nacional e, provavelmente, a interrupção de quaisquer projetos políticos que dependam do voto popular. 

O que sempre se disse nos bastidores da política baiana foi que o trabalho desenvolvido na Sesab, elogiado por muitos até mesmo após a sua queda, seria um trampolim para Vilas-Boas disputar uma vaga de deputado federal pela Bahia nas próximas eleições. O almoço no Preta foi frustrado pelas condições climáticas na Baía de Todos-os-Santos, com ventos fortes, interrupções no sistema de telefonia e de operacionalização do sistema de registros, de cobranças e, principalmente, recomendação da Capitania dos Portos sobre os riscos de navegação na região. Ao encontrar o estabelecimento fechado, o então secretário enviou ofensas ao WhatsApp da chef Angeluci Figueiredo. Chamou-a de vagabunda, usou emoji do dedo médio, cujo significado todo mundo conhece, acusou-a de receber dinheiro de empresários e a ameaçou de expô-la na imprensa, descredibilizando o restaurante. 

Tudo isso está registrado, printado e circulou no WhatsApp de meia Bahia, num espalhamento viral. Publishers de sites de Salvador afirmam que receberam ligações com as críticas do secretário e, no dia seguinte, vieram a público imagens das câmeras de segurança mostrando Vilas-Boas pulando o portão de entrada do Preta, que estava fechado, com cadeado. Há imagens de outras pessoas do entourage do barco do secretário fazendo o mesmo. O desfecho todos sabem. No final da terça-feira, 48h depois do imbróglio nos Frades, o secretário caiu. 

A moral da história foi roteirizada pelo espírito do tempo: as redes sociais, a cultura do print, o cancelamento, o combate ao machismo, a intolerância com as carteiradas autoritárias, o protagonismo das mulheres e das diferentes vertentes do feminismo, esse mix de elementos que mastiga quem os desafia, tritura tudo e joga no caldeirão fervente da política exige, por bem ou por mal, a mudança de hábitos e práticas de pessoas públicas. Um post de desculpas, uma nota governamental de lamento ou emissários pedindo clemência nos bastidores não funcionam. 

O BODE DO PALÁCIO - Quem chamou Angeluci Figueiredo de vagabunda foi um homem rico, com raiva, frustrado em seu desejo gastronômico. Mas a fatura do destempero, sem trocadilho, foi parar na reputação do homem público, no seu estatuto de autoridade a serviço do estado e, consequentemente, no gabinete do governador do estado. E por falar em governador, não deixam de ser curiosos os detalhes do seu silêncio no dia da exuberância: em sua live das terças, o ‘Papo Correria’, Rui Costa não disse palavra sobre o episódio. Achou mais prudente falar do bode de estimação do Palácio de Ondina, do qual precisou se livrar. Fofinho e dócil quando chegou, o bode cresceu, ficou hostil e, cheio de agressividade, chifrava violentamente quem ousava lhe cruzar o caminho. 

Em ano eleitoral, num país polarizado, onde tudo é reivindicado ou atribuído por e ao petismo, bolsonarismo, antipetismo, identitarismo e que tais, nada, absolutamente nada, do que Fábio Vilas-Boas fez de certo na Sesab nos verões passados contou no juízo final do inverno de domingo na Ilha dos Frades. O petismo não iria arrastar esse peso na campanha eleitoral de 2022. Entregam-se os anéis para tentar garantir os dedos. 

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