
Bahia
Personagem real ou mito: heroína do 2 de Julho, Maria Felipa divide opiniões entre historiadores
A história conta que Maria Felipa teria liderado cerca de 40 pessoas em ações de resistência contra as tropas portuguesas

Foto: Reprodução
As mulheres estiveram nas ruas, nos mangues, nas trincheiras e também nos bastidores das batalhas pela Independência da Bahia. Ainda assim, seus nomes quase nunca foram escritos nos livros de história. Em um tempo em que o espaço público era negado a elas, muitas se colocaram à frente das lutas, algumas disfarçadas de soldados, outras em grupos organizados de resistência. Entre elas, a baiana Maria Felipa de Oliveira, popular da Ilha de Itaparica, é uma personagem emblemática. Mas, ainda hoje, existem dúvidas sobre sua existência. Mas afinal, ela existiu? É uma das heroínas da batalha ou apenas um mito? Pesquisadores se dividem sobre o assunto e alguns até descredibiliza documentos tidos como prova da existência dela.
Heroína do 2 de Julho
O pesquisador independente Felipe Brito acredita que sim: Maria Felipa de Oliveira existiu realmente. Em seus estudos no Brasil e em Portugal, ele encontrou indícios que reforçam a possibilidade de que ela tenha sido uma personagem real, uma mulher negra, talvez ex-escravizada, moradora da Rua da Gameleira, em Itaparica. “Certamente uma mulher chamada Maria Felipa, possivelmente negra, teria se engajado nas lutas pela independência em Itaparica”, afirma.
O estudo do pesquisador sobre a existência de Maria Felipa se dá a partir de uma série de associações entre registros históricos e fontes documentais. Como os escritos de Ubaldo Osório, que citavam a existência e residência de Maria Felipa na Rua da Gameleira, em Itaparica. E ao acessar documentos inéditos no arquivo de Cascais, em Portugal, ele encontrou uma lista de moradores da Ilha de Itaparica datada de 1834. Nesse registro oficial, apareceu o nome de Maria Felipa vinculada exatamente à rua mencionada nos relatos populares.
A história conta que Maria Felipa teria liderado cerca de 40 pessoas em ações de resistência contra as tropas portuguesas. Seu grupo, formado por pescadores, marisqueiras e outros moradores da ilha, montava trincheiras, vigiava a costa e ajudava a manter o abastecimento dos combatentes. A escritora Eny Kleyde Vasconcelos Farias, autora do livro Maria Felipa de Oliveira – A heroína da Independência da Bahia, a descreve como capoeirista, conhecedora do território e protagonista de ações decisivas.
Mito de Itaparica
Nem todos concordam com essa versão. Para o historiador Jaime Nascimento, ainda faltam provas concretas que atestem a existência histórica de Maria Felipa. “Não há um documento robusto que comprove, de forma incontestável, que ela existiu”, afirma. Para ele, a personagem pertence ao campo do folclore, sem comprovação documental que sustente sua atuação nas lutas pela independência na Bahia.
“Não se trata de uma figura histórica, mas de uma invenção popular”, afirmou. O historiador reconhece que nomes como Maria Felipa eram comuns no século XIX, o que, segundo ele, pode ter levado a interpretações equivocadas de documentos. Ele relaciona ainda à suposta criação da personagem a uma tentativa de destacar a participação de Itaparica no processo de independência na Bahia.
Mulheres nas batalhas
O contexto, no entanto, é indiscutível: mulheres participaram ativamente das batalhas. Atuavam como guerrilheiras, espiãs, cozinheiras, mensageiras e articuladoras da resistência. Em uma guerra travada com poucos recursos, a força das mulheres foi essencial, mesmo que invisibilizada. Muitas delas, como Maria Quitéria, que chegou a vestir-se de homem para lutar, ficaram conhecidas. Outras, como Maria Felipa, permanecem entre o mito e a realidade.
Apesar da discussão sobre a existência ou não da heroína, há uma importância simbólica na personagem Maria Felipa, ressaltada pelo pesquisador Felipe Brito: ela representa não apenas uma mulher, mas uma coletividade. “Representa tantas outras mulheres que participaram da independência, em Itaparica, na Ilha de Maré, no Recôncavo e até em Salvador, mas que ficaram anônimas. É um cheque em branco que permite que muitas se vejam nessa história”.
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