
Brasil
"A boneca não chora, não confronta": bebês reborns viram válvula de escape emocional e alvo de polêmicas
Boom dos bebês reborn nas redes levanta discussões sobre saúde mental e uso indevido

Foto: Divulgação/Renata Magalhães
O termo “bebê reborn” foi o nono mais buscado no Brasil nos últimos sete dias, com um aumento de 200% nas pesquisas, segundo levantamento do Metro1 via Google Trends. As bonecas hiper-realistas — que podem custar até R$ 10 mil — vêm protagonizando cenas curiosas e, por vezes, absurdas. Em Guanambi (BA), uma jovem de 25 anos levou uma boneca a uma UPA, pedindo atendimento médico. Em Minas Gerais, um padre precisou emitir um comunicado informando que não celebraria batizados de reborns. Já houve até propostas de multa para quem tentar usar essas bonecas para obter atendimento preferencial em hospitais.
Afeto projetado em vinil
Por trás da popularidade das reborns, pode estar uma busca emocional ainda mal compreendida. O psicólogo Vinícius Farani explica que, embora alguns casos estejam ligados a hobby de colecionar ou nostalgia, quando o boneco passa a ser tratado como um filho, é sinal de uma projeção de algo que não foi desenvolvido. E em uma sociedade que não sabe lidar com suas frustrações, o boneco é um objeto para vínculos. “Vivemos em um tempo em que, se algo nos incomoda, cancelamos, bloqueamos. A boneca não chora, não confronta, não impõe frustrações. Ela é uma fuga emocional”, diz.
Segundo ele, vínculos com reborns podem nascer de traumas infantis, perdas gestacionais ou sentimentos de abandono. “Ao cuidar de um bebê reborn como se fosse uma criança, a pessoa está, muitas vezes, cuidando da parte dela mesma que foi deixada para trás”. Ele alerta, porém, que esse tipo de conforto é paliativo e pode gerar dependência emocional.
Mercado, técnica e investimento
A artesã Renata Magalhães fabrica reborns há sete anos, muito antes da febre dessas bonecas. Ela pode levar até 30 dias para finalizar o trabalho, dependendo do tamanho, da técnica usada no cabelo e dos detalhes na pele. Para Renata, cada boneca é uma obra de arte, por isso o preço varia a partir de R$ 1,5 mil, de acordo com o nível de realismo e características exigidas pelo cliente. Os materiais incluem olhos de vidro, óleo de resina e podem conter cabelos humanos.
Apesar do boom nas redes, Renata diz que seu público continua majoritariamente infantil e, mesmo com toda a viralização, o fluxo de clientes permanece o mesmo.
Foto: Divulgação/Renata Magalhães
Realidade ou estratégia?
Renata também é colecionadora e vai a shopping, restaurantes e até viaja com as bonecas no colo. Mas, para ela, é uma estratégia de divulgação de seu trabalho. As pessoas pedem para pegar, tirar foto e ela aproveita para entregar seu cartão. Os vídeos que têm viralizado mostrando “rotinas” com reborns — dando mamadeira, trocando fralda — também são, segundo Renata, encenações didáticas para despertar o interesse infantil. “É marketing. Não quer dizer que tenho problema mental”, justifica.
Essa relação, inclusive, tem rondado a arte reborn com preconceitos. “Estão rotulando tudo como transtorno mental. Isso afeta quem trabalha sério”, diz a artesão, que confessa desejar que todo esse “furacão” passe logo.
Quando o colecionismo é apenas amor
A pedagoga Magaly Munduruca coleciona bonecas desde a infância e hoje tem 38 bebês reborn em casa. Algumas, inclusive, foram feitas com os primeiros fios de cabelo das suas filhas biológicas. Ela garante: é arte, não delírio. “Faço cenários, fotos, compartilho no Instagram. Não trato como filhos. É minha paixão desde criança”, diz. Para Magaly , o problema está no julgamento contra mulheres adultas que colecionam.
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