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Miguel Nicolelis: ‘Mundo digital está esculpindo um novo cérebro e não acho que seja um cérebro melhor’

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Miguel Nicolelis: ‘Mundo digital está esculpindo um novo cérebro e não acho que seja um cérebro melhor’

O médico lembrou ainda da obra de George Orwell, “1984”, e fez paralelos com a contemporaneidade

Miguel Nicolelis: ‘Mundo digital está esculpindo um novo cérebro e não acho que seja um cérebro melhor’

Foto: Reprodução / Youtube

Por: Alexandre Galvão no dia 24 de julho de 2020 às 09:53

O médico e cientista brasileiro Miguel Nicolelis afirmou hoje (24), em entrevista a Mário Kertész, na Rádio Metrópole, que o mundo digital e todas as suas implicações estão criando um novo cérebro nas novas gerações. Ele alerta ainda para a manipulação da mente humana na área da política, e cita exemplos como a eleição do presidente dos EUA, Donald Trump e do Brexit.  

“Como o cérebro está em contínua modificação, ele consegue se adaptar a novas contingências do mundo. Quando muda algo aqui fora, ele se adapta. […] Antigamente a gente sabia o telefone de todo mundo de cor. Ninguém lembra mais hoje, pois ele está prontamente na agenda do celular. As pessoas estão tendo mais dificuldade de focar em textos mais profundos. Quanto mais você lê textos com links, menos você consegue entender esse texto e isso está se manifestando nas novas gerações. Criamos algo, o mundo digital, mas o mundo está esculpindo um novo cérebro e não acho que seja um cérebro melhor. Não necessariamente. Pode ser mais prático, mas não necessariamente contribuiu para melhora cognitiva”, apontou. 

Manipulação – O pesquisador remontou ainda o caminho da manipulação da mente humana, que, segundo ele, teria seu primeiro grande ato no Egito antigo. “O cérebro humano é muito aberto a esse tipo de manifestação, a biologia deixou para que nosso cérebro pudesse ser facilmente enganado por abstração mental. Quando Ramessés II sai vestido de ouro e o sol impede que as pessoas vejam ele, ele criou uma semiótica decisiva”, citou. 

O médico lembrou ainda da obra de George Orwell, “1984”, e fez paralelos com a contemporaneidade. Para ele, empresas como a Google trabalham muito mais no sentido de colher dados pessoas e vendê-los a empresas de publicidade do que de oferecer buscas, por exemplo. “Existem várias formas de manipulação. Quando você compra um livro na Amazon, começa a receber sugestões de livros iguais, do mesmo tópico. É uma coisa meio burra. Ninguém vai ler 50 livros sobre o mesmo evento. Um ano e meio atrás saiu um livro da universidade de Harvard, mostrando como é uma nova onda do capitalismo obter nossos dados, tudo de graça e usar isso para vender para empresas. Essa invasão de privacidade é uma invasão à lá George Orwell. A automação de invasão da privacidade leva a gente a se transformar em autômatos que ele descrevia em ‘1984’. Todo mundo vai se comportar da mesma forma, não vai ter privacidade e vai não aceitar questionamentos. Vamos criar autômatos biológicos digitais, o que não é um futuro promissor para uma espécie que produziu o que produziu. É muito assustador contemplar um futuro sem música, sem poesia, sem a liberdade humana”, concluiu. 

Brexit – Com a manipulação da mente humana feita por redes políticas, o cientista acredita que a “democracia está em risco”. “Esse é um problema sério e mundial. O Brexit foi um exemplo documentado. Os ingleses foram manipulados a acreditarem que a União Europeia tira mais dinheiro do que coloca. A melhor forma é contar isso é mostrar a manipulação. No caso eleitoral, que acho mais grave, como é possível exercer democracia se todas as eleições podem mudar com remessas de Whatsapp? Como, se existem grupo de psicólogos que identificam mensagem que podem manipular as pessoas nas últimas semanas? É preciso trazer isso à tona e os códigos eleitorais precisam mudar. Têm que prever essas coisas. Não é concebível que na véspera de eleição muda tudo. A democracia está em risco”, alertou.

Nicolelis lançou nos últimos meses o livro “O Verdadeiro Criador de Tudo”, que completa uma trilogia escrita em dez anos sobre o funcionamento do cérebro. Para o cientista, a humanidade tem criado uma “devoção” à “Igreja do mundo digital” e isso tem impactos nas mais diversas áreas, podendo até, segundo ele, homogeneizar pensamentos e acabar com aspectos da vida humana, como as artes. “Eu acredito que a nossa devoção, quase que uma igreja o mundo digital, essa devoção pode estar contribuindo para aniquilação ou atrofia de atributos da mente humana que sempre consideramos como único da nossa espécie, a criatividade, o pensamento humano, a arte, a nossa versatilidade de linguagem. Adoramos poetas e escritores, pois eles levam a linguagem ao limite. Eu temo que essa homogeneização digital está produzindo comportamento que cerceia produção criativa de pintores, escultores, cineastas, homogeniza algo e elimina diversidade, elimina a criatividade. Deixa de ter elementos humanos fora da curva”, apontou.