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Após venda, Unifacs passou a tratar ensino como negócio, dizem alunos
Estudantes relatam diversos problemas e se queixam da dificuldade de comunicação com direção da faculdade

Foto: Divulgação/Grupo Ânima
Desde que a compra total da Universidade Salvador (Unifacs) foi oficializada para o grupo paulista Ânima Educação, no fim do ano passado, estudantes matriculados têm se sentido mais clientes do que efetivamente alunos da instituição. Entre constantes queixas na cobrança das mensalidades, reajustes injustificados e atrasos no curso, todas convergem para um ponto comum: a dificuldade de comunicação com a direção da faculdade.
Com um sistema de atendimento ocupado por funcionários despreparados e robôs com respostas prontas, se tornou muito difícil resolver até problemas simples, indicam os alunos. “Não consigo falar com nenhum funcionário. É uma eterna espera e, quando alguém atende, pede para aguardar. Fica tocando uma música infinita e a ligação cai”, relata a estudante de arquitetura Maria Eduarda Santiago, de 22 anos.
Diante de reiterados problemas, alguns alunos já criaram até macetes para tentar um retorno. “Eles não atendem chamada de estudante, só quando é matrícula. Então, me deram essa dica: ‘informe que você quer ser um aluno novo’. Só me colocaram na [fila de] espera desse jeito”, revelou um aluno de psicologia, que preferiu se manter em anonimato temendo encontrar ainda mais empecilhos futuros.
As adversidades, muitas vezes, envolvem o pagamento dos cursos, por isso precisam de resolução urgente. Com inúmeras queixas protocoladas, alunos relatam perdas de dinheiro, com multas, taxas e juros aumentando proporcionalmente à demora de atendimento. No site Reclame Aqui, há 4.731 reclamações envolvendo a faculdade, que aparece com reputação “ruim”.
“A Unifacs não mantém o valor que acordou com você no contrato. Ou ela aumenta demais ou diminui e depois cobra nas mensalidades seguintes”, conta outra estudante do curso de psicologia, também sem preferir se identificar. Ela diz que, durante os primeiros meses da pandemia, a instituição reduziu em 30% as mensalidades. Em 2021, o valor descontado foi acrescido “em doses homeopáticas” nos boletos seguintes.
Na Unifacs, o preço da mensalidade é calculado de acordo com o número de disciplinas que o aluno cursa no semestre. Estudante de arquitetura, Camila Barbosa, 20, conta que, por falta de tempo, precisa pegar menos matérias do que as previstas para o período. Em vista disso, ela normalmente pagaria um valor inferior à mensalidade usual.
Com a compra da Unifacs, em vez de pagar menos, Camila se deparou com um aumento de quase 50% no valor mensal. “No passado, eu cursava três matérias presenciais e uma online. Pagava mais ou menos R$800, com bolsa de 50%. Neste semestre só foi permitido que eu cursasse três matérias e o valor da mensalidade é integral: R$ 1.166, que corresponde ao valor de cinco matérias”, reclama.
A nima também implantou um novo sistema de cobrança das mensalidades, que se tornou mais um percalço na vida dos estudantes. “Nunca tive problema financeiro, nunca atrasei um boleto. Só que o sistema não deu baixa e, por isso, não liberou minha pré-matrícula”, pontua Thaís Borges, 20, estudante de medicina.
“Já abri mil solicitações, já fui presencialmente. Hoje fui de novo e me disseram que demoraria mais cinco dias úteis, até lá as minhas aulas já começaram. Parece que eu estou pedindo um favor, sendo que nunca devi nada. Não recebi meu horário e preciso me organizar”, explica Thaís.
A nova plataforma também complicou a vida de Maria Eduarda. “A plataforma para o acesso dos alunos não funciona. A gente não consegue nem mais escolher o que vai cursar. Antes podíamos montar a grade normalmente e aparecia o valor que ficaria. Agora, vai ser uma surpresa quando vier o preço”, diz.
Atraso na formatura
A nova gestão também surpreendeu os alunos com a adição de disciplinas em determinados cursos – o que reflete em uma mensalidade mais cara e, em casos como o do estudante de Administração João Marcos Lopes, 22, um atraso considerável no ano de formatura.
“Quando a Unifacs foi vendida, falaram que não ia alterar nada. Mas, com a venda, quem estava formando, cerca de 90% da minha turma, teve a grade alterada. Entrei no sétimo período, com tudo certo para finalizar este ano, mas o grupo pegou as disciplinas já cursadas, colocou como extracurriculares e adicionou outras obrigatórias. É como se a Unifacs tivesse me rebaixado para o terceiro semestre”, lamenta.
Com tantos problemas, até quem ainda nem começou o curso já está cogitando sair. Letícia Farias, 28, aluna de Análise e Desenvolvimento de Sistemas, pediu para trancar a faculdade e mesmo assim recebeu cobranças. “Quando entrei na universidade, no final do ano, tive o melhor atendimento do mundo. Por problemas pessoais, não tive como dar continuidade e solicitei o trancamento. A solicitação ainda consta aberta e eu até recebi um boleto para pagar a mensalidade. Tento falar, mas não consigo. Só com um robô. Assim que resolver meu problema, quero fazer o curso, mas não vou fazer na Unifacs. Tenho certeza”, crava.
Questionada, a assessoria da Unifacs reconheceu que a instituição “tem recebido uma demanda superior se comparado com o mesmo período dos anos anteriores” e, por isso, “reforça que as questões específicas de cada um têm sido avaliadas, caso a caso, conforme suas especificidades”.
Em nota, a faculdade também afirma que “diversas melhorias têm sido implementadas neste início de ano”. Ironicamente, por fim, o comunicado reforça que “mantém abertos seus canais de comunicação com seus estudantes”.
Inscritos no Fies enfrentam mais dificuldades com a Unifacs
Os alunos da Unifacs que utilizam o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) enfrentam uma situação ainda mais delicada. A estudante de medicina Jayne Cerqueira, de 23 anos, representante dos beneficiados pelo programa, lista uma série de questões que colocam em xeque a possibilidade de permanência na instituição.
O principal deles já rendeu até a instauração de um inquérito civil pelo Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) para apurar “suposto reajuste abusivo” de 11,5% no curso de Medicina. “É incompatível o critério de inclusão do Fies com o valor que está sendo cobrado. Muita gente não vai ter mais como ficar. Como uma pessoa com renda baixa paga quase R$ 4 mil de mensalidade?”, questiona.
Jayne indica também que há uma incongruência em relação aos prazos de pagamento entre o Fies e a Unifacs, que tem gerado transtornos financeiros e psicológicos nos alunos inscritos no programa. “Todo mês aparecem juros e multa recebidos, em torno de R$ 300, R$ 400… A gente acredita que é referente à data de cobrança, mas não tem como trocar a data do Fies para o dia 5 porque é um valor universal, cobrado no dia 15. Todo mês é isso”, declara a aluna. “A gente fica recebendo ligação de cobrança da faculdade, é vexatório”, completa.
Para estes estudantes, a dificuldade de comunicação com a administração da Unifacs é ainda maior. “Há uma falta de assistência da faculdade com relação às demandas do Fies: não tem atendimento específico. Abrimos solicitações, todas indeferidas porque não entendem as nossas demandas. É preciso que quem atende o Fies saiba o que é o Fies, o que é coparticipação. Temos que ficar explicando e é muito desgastante”, conclui.
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