Faça parte do canal da Metropole no WhatsApp >>

Quarta-feira, 15 de maio de 2024

Home

/

Notícias

/

Cidade

/

Ambientalistas criticam urbanização do Abaeté e alertam para risco de mudanças climáticas

Cidade

Ambientalistas criticam urbanização do Abaeté e alertam para risco de mudanças climáticas

Edital da prefeitura foi lançado para concorrência sem que projeto em dunas fosse inteiramente conhecido

 Ambientalistas criticam urbanização do Abaeté e alertam para risco de mudanças climáticas

Foto: Valter Pontes/Secom PMS

Por: Adele Robichez no dia 24 de fevereiro de 2022 às 17:30

Texto originalmente publicado no Jornal da Metropole em 24 de fevereiro de 2022

Depois da extensa polêmica envolvendo a escolha de um nome evangélico para batizar uma das dunas do Abaeté, agora é o projeto de requalificação da prefeitura que atrai as atenções para o local.

Avaliada em R$ 5 milhões, a requalificação prevê a ampla urbanização de um trecho das dunas. No espaço, o poder público planeja a instalação de sanitários, estacionamento e auditório, além da construção de escadaria e equipamentos de lazer. O edital foi lançado para a concorrência sem que o projeto fosse inteiramente conhecido.

Sem esse detalhamento, as obras, explica o professor do Instituto de Biologia da Ufba, Miguel Accioly, podem causar uma série de prejuízos climáticos para Salvador.

Isso porque as dunas do Abaeté, dentro de uma APA (Área de Proteção Ambiental), são responsáveis por regular a temperatura e a interferência direta neste ecossistema traz o risco de aquecer toda a cidade. “Sem vegetação, sem lagoas e prédios mais altos, a tendência é que Salvador fique mais quente, mais seca, mais desagradável”, pontua Accioly.

O professor também cita o impacto que a intervenção teria na fauna e na flora. Ele acredita ainda que o projeto tende a atrair mais visitantes e pode representar um convite para a chegada de novos empreendimentos na área. “Indo mais gente, vai ter ambulante, aí vão querer regulamentar e fazer um centro de comercialização. Os terrenos ao redor vão começar a ter valorização, então serão construídas mais igrejas, lojas, estacionamentos… Vai começar a se criar demanda em um lugar que deveria ser protegido”, projeta.

Uma maior circulação de pessoas ainda poderia causar a desestabilização das dunas, desabando a areia para a Avenida Dorival Caymmi. “Qual deveria ser o uso devido para aquela área? Contemplação, pesquisa científica e educação ambiental, tudo isso em baixa densidade. Lá, já está tendo uma circulação em alta densidade e, em vez de resolver isso, a prefeitura estaria ampliando a quantidade de pessoas”, lamenta o biólogo.

Conforme o artigo 15 da lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), a APA é uma unidade de uso sustentável e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

“De modo geral, na APA é mais fácil de conseguir fazer modificações porque a proteção não é tão rígida em comparação a outras unidades. Intervenções podem ser feitas desde que haja comprovado interesse ou utilidade pública, além do consentimento do Conselho Gestor do espaço. O ideal é que haja também a participação da população diretamente envolvida. Isso pode ser feito através de audiências públicas, mas quase nunca acontece dessa forma”, expõe o professor de Direito Ambiental, Marcel Timbó.

Temendo o fim da preservação das dunas, vereadores de oposição na Câmara Municipal de Salvador ingressaram com uma ação civil pública contra o projeto. Assinada pela vereadora Maria Marighella (PT) conjuntamente com as vereadoras do mandato coletivo Pretas por Salvador (PSOL), a ação requer a “apuração dos fatos, convocação dos responsáveis na Prefeitura pelo projeto, publicização e discussão da proposta”.

“Estamos aqui para fiscalizar. Esse projeto serve a quem, para quê? Precisamos verificar a legalidade da questão ambiental. A prefeitura precisa responder a estas questões”, diz Maria Marighella, presidente da Frente Parlamentar Ambientalista de Salvador. “Não queremos projetos prontos, mas formulados com os seus cidadãos”, completa.

A vereadora lembra que a administração surpreendeu a todos com o ato de assinatura da ordem de serviço para licitação de obra. Não houve consulta pública e o projeto foi publicizado exatamente no mesmo dia em que surgiu outra proposta de autoria do vereador evangélico Isnard Araújo (PL), que desejava renomear o mesmo trecho como “Monte Santo - Deus Proverá”. Após revolta popular, o projeto de lei foi retirado da Câmara de Vereadores.

 

Modelo proposto

 

Jorge Santana, presidente do Parque das Dunas (parte da APA) gerido pela Unidunas, hesita sobre uma análise definitiva do projeto — que não foi apresentado para a disputa da concorrência.

Apesar da preocupação, Santana afirma que não enxerga a proibição dos cultos como uma solução e pensa que a escada e os banheiros, presentes na proposta, podem reduzir este problema. “Não tenho dúvidas [que o projeto pode atrair ainda mais gente], mas é difícil calcular [possíveis danos]. Se fizer uma estrutura embaixo, tem que ter um controle e, principalmente, educação ambiental. É difícil ter esse controle, mas proibir não é a palavra certa”.

O biólogo Miguel Accioly alerta que iniciativas parecidas têm gerado consequências irreversíveis, constatadas com mais frequência nos últimos meses em diversos estados brasileiros. “Quando se desrespeita a legislação ambiental, é possível promover impacto sobre a nossa própria vida. Não é sobre proteger plantinhas e bichinhos. É a nossa vida. Nesse caso, estamos falando de qualidade atmosférica”.

Procurada, a Secretaria de Infraestrutura e Obras Públicas (Seinfra), responsável pelo projeto, esclareceu que a área de intervenção está fora da APA. Em nota, reforça que “a obra não tem o objetivo de coibir ou de aumentar o número de visitantes no local, mas sim de ofertar infraestrutura adequada aos mais de 5 mil visitantes que sobem às dunas semanalmente”.

A secretaria ainda informou que a urbanização “foi pensada para que as atividades rotineiras, dentre elas as religiosas, ocorram em plena consonância com a natureza".