
Cultura
"Meu prefeito é Carlinhos Brown", diz foliã em passagem do Zárabe
O grupo criado pelo cacique voltou a desfilar no Bonfim após 16 anos de ausência

Foto: Victor Fernandez / Reprodução Instagram
Comandado por Carlinhos Brown, o Zárabe voltou a desfilar na Lavagem do Bonfim, nesta quinta-feira (11), após 16 anos de ausência. Criado em 1995, o grupo nasceu, de acordo com o próprio Brown, "dentro de uma proposta que envolvia artistas, diretores e líderes culturais com o intuito de recuperar as festas de largo". O anúncio do desfile, que divulgamos em primeira mão aqui no Metro1, causou empolgação nas redes e nas ruas, entre foliões saudosos.
Programado para sair às 9h, o Zárabe manteve a tradição de sair abrindo caminhos, em sua marcha constante e frenética. Na altura do Trapiche Barnabé, o grupo invadiu e atravessou a comitiva do prefeito Bruno Reis. Com a câmera do celular voltada para si, uma mulher declarou em vídeo que esperamos esteja nas redes, como prova: "Que porr* de Bruno Reis, meu prefeito é Carlinhos Brown".
Sem critério partidário, logo em seguida em foi a vez de os músicos atravessarem as formações do governador Jerônimo Rodrigues e, depois, do PCdoB. A prática é mal vista por alguns, mas mantém coerência com o ímpeto dos malês, negros muçulmanos que se levantaram na famosa Revolta de 25 de janeiro de 1835. Com estandartes onde se lia a palavra "PAZ", o Zárabe seguiu furando fila (sem, no entanto, atropelar ninguém) até a colina sagrada.
“A Metropole sabe qual é o nosso desejo, de continuar incentivando a cultura, a miscigenação e a força cultural que a Bahia tem. Como compreensão de que as etnias aqui se reúnem em devoção. Devoção a Oxalá, para pedir paz ao mundo árabe, ao mundo africano, ao Equador", disse o cacique em entrevista à Rádio Metropole.
Formando uma espécie de corte islâmica, o Zárabe reuniu na linha de frente músicos já históricos do universo percussivo baiano, como Boghan Gaboott, Léo Bit Bit e Jair Rezende (Lactomia), além de 11 mulheres representantes do grupo Agbelas (as Arabelas), sob o comando de Giovanna Paglia.
"A experiência toda foi extraordinária. Foram cinco dias de ensaios intensos no Museu du Ritmo e, desde o primeiro momento, estávamos todas muito empolgadas e até descrentes de participar, felizes, ansiosas para ir para as ruas sob a regência de Jair e junto a vários músicos muito experientes. Sem falar em Brown, que admiramos pela música, mas por muitos outros motivos. Realmente, não haveria maneira melhor de receber o ano que chega", disse Virginia Andrade, uma das percussionistas, em conversa com o Metro1.
O fato é que, em seu clamor por paz e louvor à miscigenação, Carlinhos Brown, nem sempre bem compreendido em sua militância, reconfigura e atualiza o legado dos malês (que pretendiam, entre outras coisas, exterminar mulatos e escravizar negros não-muçulmanos, caso saíssem vitoriosos) e leva às ruas um dado cultural instigante, plástica e sonoramente inventivo, revivendo o legado do saubarense Nelson Maleiro.
A presença do artista chamou atenção dos devotos presentes na Lavagem do Bonfim, onde ele desfilou sem cantar. O gesto lembra a abertura do carnaval de 1999, quando Brown entrou no circuito com a Caetanave, integrando o corpo de percussionistas seniores, tocando caixa, sem cantar ou pronunciar nenhuma palavra, mas mandando com isso uma potente mensagem de consciência de integração a um sistema artístico, cultural e comunitário de que as festas são reflexo e reforço.
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