Cultura
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Morando em Salvador desde 2017, ele eterniza moradores da Preguiça, Taboão e adjacências em seus quadros
Foto: Victor Ângelo Caldini / Divulgação
Camille, Negro Ely, Seca, Bin Laden da Preguiça… não é a primeira vez e certamente não será a última que a comunidade do Centro Histórico de Salvador inspira artistas locais e/ou estrangeiros. Mas, no caso do alemão Jan Siebert, de 52 anos, natural de Hamburgo e que desde 2017 coloca em suas telas pessoas e situações do Pelourinho, Pilar, Taboão e Ladeira da Preguiça, a relação ganhou uma dimensão de verdade e plenitude que forçosamente pede atenção. “O trabalho dele é muito vivo, muito bom, transparece a capacidade que ele tem de chegar e se misturar nos lugares”, diz o fotógrafo Adriano Viana.
E por falar em fotografia, com um manejo sofisticado da luz e das cores, Jan cuida para que o realismo de suas pinturas não seja um mero arremedo fotográfico. Com influências que, aponta, vão desde Pablo Picasso (“o primeiro grande impacto”) ao americano Edward Hopper (“um grande ídolo”), o resultado são telas vibrantes e densas, onde a vivência do lugar e, especialmente, das pessoas do lugar, aparecem captadas de um jeito muito particular e, ao mesmo tempo, do jeito que a gente enxerga no dia a dia.
Bar do Carmo (2021).
Ladeira da Preguiça (sem data).
Aos 10 anos, Siebert descobriu o desenho ao fazer um retrato de seu irmão. Cursou a faculdade de ilustração em Hamburgo. E, desde então, desenvolve sua linguagem entre o cavalete e as andanças. “Há quem fale em neo-expressionismo, mas não faz muito sentido para mim. A verdade é que nenhum artista criou nenhum ismo. Isso é feito depois, por outros”, reflete em conversa com o Metro1.
Pintando Tito...
Com Tito.
Tito (2022).
A primeira vez que veio ao Brasil foi em 2005. Morou em Santos, no litoral paulista, no Rio de Janeiro e em São Paulo capital. “Sempre procurei os lugares históricos dessas cidades. E também as pessoas autênticas. Meu interesse é pelo autêntico, pela vida crua, como ela é”, diz. O primeiro ponto de inspiração em Salvador foi o monumento chamado Cruz do Pascoal — o oratório erguido em 1743 pelo português Pascoal Marques de Almeida, um morador do Santo Antônio Além do Carmo (onde hoje mora também o artista) que se tornou símbolo do bairro.
O trabalho de Jan Siebert inclui, naturalmente, as dificuldades que a nova configuração da violência na cidade impõem: “Me disseram que tinha que pedir autorização para entrar em alguns lugares. Mas, de qualquer forma, até então tudo correu sempre bem. Um cara na Preguiça me disse assim, ao ver alguns trabalhos: ‘Você tá valorizando nossa comunidade’”.
Dos momentos dramáticos, o pintor lembra o jovem Guilherme, de apenas 17 anos, retratado em um de seus quadros mais tocantes (uma mulher em posição introspectiva diante de uma faixa de pedestres, dois jovens conversando na calçada, um deles na porta do sobrado semi-arruinado, tudo cercado por cores intensas embora tristes), e morto a tiros poucos dias depois da conclusão da obra. Guilherme é (era) o que está sentado no meio-fio. “Fiquei chocado com a notícia. As pessoas que conviviam com ele também estavam tristes, claro, mas parecia um tanto normal para elas conviver com aquilo”, lembra.
Nos quadros de Jan, sacizeiros, travestis, crianças jogando bola, cachorros, janelas, celulares, cachaceiros ao luar, todos aparecem plenos de vida e dramaticidade. Um certo lirismo pungente e pulsante. Algo lembra a Bahia de Jorge Amado, mas não com toque de decalque nem datado. São cenas evidentemente contemporâneas, o que lhes dá ainda mais força.
- Quem se identifica com seu trabalho é, na maioria vezes, o brasileiro mesmo, por reconhecimento, ou o estrangeiro por contraste? Pergunto. E emendo: como é o mercado para seu estilo? Resposta: “O interesse maior é dos alemães mesmo. Mercado há, mas, desde a pandemia se enfraqueceu”. Ainda sobre esse assunto, do mercado de artes, ele completa: “Talvez meu ponto fraco seja que eu não sou muito comercial. Não é fácil que alguém queira botar a imagem de uma travesti de vestido rosa choque na sala de casa, para combinar com o sofá. Trabalhar com decoradores, arquitetos, por exemplo, é difícil para mim por causa da temática”.
Ladeira do Taboão (2023).
Bin Laden (2024).
No entanto, ele pretende fazer uma exposição em Salvador, principalmente para que as pessoas retratadas possam se ver em grande estilo. O título, provisório, já foi escolhido: “Jogos da Bahia”. Atenção fundações, galerias, curadores…!
Com abordagem mais humanista que política, Jan Siebert cita o que ouviu inúmeras vezes de Negro Ely, um de seus retratados: “arte não tem fronteiras”. E assegura: “A intimidade vem com a convivência”. Segundo ele, às vezes a movimentação é tão intensa ao redor do cavalete, que ao mesmo tempo o impede de pintar e inspira novas obras. O Beco da Califórnia da tela é ao mesmo tempo o mesmo e outro. Assim como ele descreve a complexidade dessa convivência onde alegria e tristeza se interpenetram. “Uma vai se tornando a outra”, conclui.
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