
Cultura
Pioneiro entre os ‘baianos’, Luiz do Acarajé faz 30 anos de sucesso na Mouraria
Entre os segredos, ele aponta um que está à vista de todos: o preço baixo aliado à alta qualidade

Foto: James Martins / Metropress
Quando Luiz Conceição dos Santos, 63, montou seu tabuleiro de acarajé na Rua da Mouraria, o ofício era plenamente dominado pelas mulheres e quase proibido aos homens. Baiano de acarajé era coisa rara e até polêmica naquele dia 14 de maio de 1994, com direito a protestos e discussões ganhando as páginas dos jornais, debates acadêmicos e, com certeza, muitos ebós. Hoje comemorando três décadas de sucesso, Luiz do Acarajé da Mouraria, como é conhecido, é a prova viva de que o reino do dendê abraçou também, pelo menos comercialmente, o seu lado masculino.
“Como eu já era ajudante das baianas do Maciel, desde meus 11 anos de idade, não foi tão difícil para elas me aceitarem à frente do tabuleiro. Mas, a verdade é que naquele tempo homem só podia ser ajudante”, lembra, em entrevista ao Metro1. Ele faz questão de enfatizar também que, apesar de tudo, quando começou, já havia sim homens vendendo acarajé pela cidade, só que em pequena quantidade.
Uma prova do conflito causado é a mera existência da pesquisa de opinião pública feita por Jussara Argollo em 1996, apenas dois anos após Luiz montar seu tabuleiro, com o título bastante revelador de “Por que não o baiano?”. E, em 1999, o antropólogo Vivaldo da Costa Lima (1925-2010), no artigo “Etnocenologia e etnoculinária do acarajé” escreveu: “E os ‘baianos’ que chegam? Há pouco tempo surgiram os baianos do acarajé — homens que fazem e vendem seus acarajés, como as baianas, e que já estão causando discussão e polêmicas entre os ‘guardiães’ da tradição, concentrados na Federação de Cultos Afro-Brasileiros. Não posso deter-me na análise desse fenômeno, que considero talvez tardio no mercado alimentar baiano”.
Com cuidado, Luiz coloca os bolinhos pra fritar, enquanto a assistente atende a freguesia.
Os acarajés parecem sóis fritando no tacho.
A julgar pelo depoimento do próprio Luiz, o professor Vivaldo, ex-diretor do Ipac e um dos maiores especialistas em antropologia da alimentação no mundo, era não só favorável à chegada dos “baianos”, como foi um de seus incentivadores. “Eu ia viajar pra Teófilo Otoni, interior de Minas, pra morar lá um tempo, atrás da namorada, e decidi vender acarajé por lá. Usei os amigos do Pelourinho como cobaia. E um acarajé acabou parando nas mãos de Vivaldo, que gostou e me deu a maior força”, lembra.
Atualmente, seu tabuleiro é ponto obrigatório na Mouraria. E sai gente de várias partes da cidade para provar as iguarias. Atrás de preço e qualidade. O acarajé (ou abará) sem camarão custa R$4. E com camarão, apenas: R$6. O funcionamento é de terça a sexta, a partir das 16h. “Mas, para chegar com tudo pronto, eu acordo às 4 horas da manhã”, destaca. Morador do bairro, Luiz usa o trunfo para manter o preço quase milagroso.
A elegância no trajar, com a cor do orixá de cada dia.
“Era 1 real quando comecei. Se for botar na ponta do lápis, em 30 anos, não aumentei nada”, diz ele. E, de fato, não é preciso ser nenhum matemático para constatar que os reajustes estão abaixo da inflação.
O tabuleiro de Luiz recebe anônimos e celebridades com a mesma naturalidade e simpatia. E, por isso, mais que clientes, concentra amigos. Por ali circula sempre o produtor cultural Geraldo Badá, a jornalista Rita Batista, o sambista Neto Bala e tantos outros. Torcedor do Bahia, ao comemorar 57 anos, ofereceu um bolo tricolor à freguesia. “Estar aqui é muito bom. Além do acarajé, do abará, do bolinho de estudante, tem a resenha, a convivência gostosa”, diz Eduardo dos Santos, cliente fiel.
Simpatia também faz parte do segredo, além de preço e qualidade (Reprodução Instagram pessoal).
Ex-filiado à Abam (Associação das Baianas do Acarajé e Mingau), Luiz do Acarajé hoje prefere sua auto-gestão. O que não o impediu de representar a classe dos baianos em cerimônia na Câmara de Vereadores de Salvador no ano passado. Do tabuleiro, tira o sustento e a dignidade há 30 anos (além de ser funcionário público). Trajado a caráter, com roupas (inclusive máscaras) feitas especialmente para o ofício, observando as cores dos orixás de cada dia, ele lembra que foi graças ao dendê que conseguiu custear os estudos da filha, que hoje possui doutorado.
Simpático, já convida a todos para seu aniversário de 64 anos, no próximo dia 15 de dezembro. “Vai ter bolo, cerveja e amizade”, diz. E se o Bahia estiver bem no campeonato, então, aí a festa será mais do que completa.
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