
Cultura
'Democracia em Vertigem' faz 'autocrítica' do papel dos mais ricos no caos político brasileiro, diz crítico
Em entrevista à Rádio Metrópole, Luiz Carlos Merten falou sobre o documentário de Petra Costa, disponibilizado na plataforma Netflix na última quarta (19)

Foto: Reprodução / Netflix
O jornalista e crítico de cinema Luiz Carlos Merten afirmou, em entrevista a Mário Kertész, na Rádio Metrópole, hoje (27), que o documentário Democracia em Vertigem, de Petra Costa, é uma obra "imprescindível" para entender o contexto político brasileiro dos últimos anos. Disponibilizado na plataforma Netflix na última quarta (19) para 170 países, o filme parte da perspectiva da cineasta para traçar um panorama do processo que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, à queda do PT e à ascensão do atual presidente, Jair Bolsonaro.
Para Merten, um dos grandes trunfos do documentário é a presença de uma "autocrítica" do papel da classe dominante no desenrolar dos fatos, já que a família de Petra é ligada à construtora Andrade Gutierrez. "A Petra é desse segmento da sociedade brasileira ao qual pertencem, digamos, os irmãos Walter Salles e João Moreira Salles. Ela consegue fazer um documentário da perspectiva da classe dominante, mas ela toma partido de uma maneira muito clara pelos que estão sendo oprimidos, espoliados, que vão sofrer as consequências desse processo. (...) Em uma entrevista que ela fez com a mãe [a socióloga Marília Andrade] sobre a Lava Jato, é dita uma coisa interessante: é um processo tão perverso que a classe dominante está sacrificando parte de si mesma, não o topo da pirâmide, mas está sacrificando parte de si mesma para dar uma impressão de isenção nesse processo todo", analisou.
O jornalista considera que o documentário traz registros importantes e representativos da política brasileira nos últimos anos, a exemplo da reação serena da ex-presidente Dilma Rousseff após a votação de seu processo de impeachment na Câmara dos Deputados, em 2016. Na ocasião, em conversa com o advogado e ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a petista afirma estar vivendo uma situação digna da obra "O Castelo", de Franz Kafka. Ao comentar o episódio, Merten relembrou um caso recente envolvendo o ministro Abraham Weintraub.
"Tanto 'O Processo' quanto 'O Castelo' são livros do Kafka sobre o absurdo da existência e sobre a confrontação do indivíduo com forças que lhe esmagam. É uma análise de uma sofisticação impressionante. Com todo o respeito, o nosso ministro da Educação trocou Kafka, o escritor, por kafta, a comida árabe. No fundo, é um analfabeto que não consegue juntar dois com dois quando se trata de discutir o processo educacional", alfinetou.
Merten também acredita que, embora "Democracia em Vertigem" tenha provocado em muitos espectadores uma sensação de desânimo com o futuro do país, é uma obra que pode também impulsionar uma reação. "A gente continua vivendo esse processo de manipulação, mas eu tenho a impressão de que as coisas começam a aparecer de uma maneira mais clara, a gente tem cada vez mais acesso a um determinado tipo de informação que foi muito manipulada. Tem que ser muito artista, cara de pau, para querer ir contra as evidências. (...) A gente tá chegando ao fundo do poço que não é o fundo, tem mais ainda, mas é uma possibilidade de, depois dessa depressão, reagir", afirmou.
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