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Velório de Mujica terá duração maior para aguardar chegada de Lula, diz imprensa internacional

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Raízes humildes, ideias vastas: relembre a trajetória de Pepe Mujica, líder que uniu coragem e modéstia
De florista a presidente, Mujica desafiou padrões ao governar com humildade, ética e compromisso social
Foto: Flickr
José Alberto Mujica Cordano nasceu em 1935, em Montevidéu, no Uruguai. Filho de agricultores de origem italiana, cresceu ajudando a mãe a sustentar a casa após a morte precoce do pai. Ainda jovem, mergulhou no universo da política, sem jamais se desligar da simplicidade. Mais do que de palavras, Mujica sempre foi de gestos: foi florista, deputado, preso político e presidente – sem nunca deixar de ser Pepe, o homem que vestia o mesmo casaco puído e falava com voz mansa sobre justiça, liberdade e futuro. Desde cedo, acreditava que a política não era profissão, mas vocação: “o sentido que encontrei para a vida”, diria depois.
Anos a fio, entre o ferro, o fogo e o silêncio
Na juventude, envolveu-se com o Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros (MLN-T). Foi preso quatro vezes durante a ditadura uruguaia. Na última, permaneceu doze anos encarcerado, muitos deles em solitária, sob tortura e privação. Saiu da cela magro, doente, com os dentes quebrados e a lucidez intacta. “Descobri que as formigas gritam”, contou, referindo-se aos delírios sensoriais da tortura e da solidão. Apesar do horror vivido, sem anseio de vingança, provou que a essência da leveza ainda fazia parte de si, sendo o mesmo homem vindo do campo e, acreditando que, na vida, há contas que ninguém paga.
Do cárcere ao poder: a construção de um símbolo
Com a redemocratização uruguaia, Mujica fundou o Movimento de Participação Popular (MPP), que logo se integrou à Frente Ampla, no Uruguai. Em 1994, elegeu-se deputado; em 1999, senador. Sua figura destoava do plenário: vestia-se como qualquer homem do campo – por muitos, seria chamado de “matuto”, chegava ao Congresso em uma Vespa velha e sorria ao ser confundido com um funcionário. Em 2010, foi eleito presidente com maioria expressiva. No cargo, legalizou o direito ao aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e regulamentou o mercado da maconha – iniciativas que colocaram o Uruguai no mapa das políticas progressistas do século XXI.
Uma vida modesta em um mundo de excessos
Durante seu governo, recusou-se a morar no palácio presidencial, preferindo sua chácara nos arredores de Montevidéu. Doou quase todo o salário e seguia cultivando hortaliças, ao lado da esposa Lucía Topolansky e da cadela Manuela. Sua coerência encantou o mundo. Tornou-se conhecido como “o presidente mais pobre do mundo”, título que rejeitava: “Pobres são os que precisam de mais para viver”, dizia, demonstrando que a real pobreza estava além dos bens materiais. Em fóruns internacionais, como a Rio+20, denunciava o consumismo presente na sociedade moderna.
Amigo do Brasil e da esperança
Mujica cultivou forte relação com o Brasil. Amigo de Lula, o visitou na prisão em 2018 e foi condecorado com a Ordem do Cruzeiro do Sul em 2024. Recusou polarizações fáceis: defendeu a democracia, mas também criticou governos autoritários de esquerda, como o de Nicolás Maduro. No Mercosul, era figura respeitada, capaz de arrancar sorrisos com sua informalidade – como quando compareceu a uma posse ministerial de sandálias. Preferia olhar adiante, mesmo tendo sido perseguido e torturado.
O fim sereno de um homem pacato
Em 2024, anunciou publicamente o diagnóstico de um câncer no esôfago. Recusou tratamentos invasivos e optou pelos cuidados paliativos. “Meu ciclo já terminou”, afirmou com a serenidade de quem fez da coerência sua herança. Faleceu nesta terça-feira (13), aos 89 anos, em sua casa. A morte de Mujica não encerra sua história, apenas confirma seu lugar como um dos grandes nomes da América Latina. Entre flores, discursos e silêncios, Pepe foi — e segue sendo — uma semente de humanidade em tempos difíceis. No fim, em meio a tanta luta, com sua filosofia simples e poderosa, Mujica não cansa de ensinar: “Viemos ao planeta para sermos felizes, porque a vida é curta e passa rápido. E nenhum bem vale tanto quanto a vida — isso é o essencial”.
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