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Bolsolão do SUS: verbas via emendas parlamentares aumentam cinco vezes na Bahia

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Bolsolão do SUS: verbas via emendas parlamentares aumentam cinco vezes na Bahia

Bolsonaro entregou, em 2021, controle de R$ 7,4 bilhões do orçamento do SUS a parlamentares do Centrão

Bolsolão do SUS: verbas via emendas parlamentares aumentam cinco vezes na Bahia

Foto: Paulo Sergio/Câmara dos Deputados

Por: Adele Robichez no dia 26 de maio de 2022 às 14:22

Reportagem originalmente publicada no Jornal da Metropole em 26 de maio de 2022

Pensando na reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (PL) entregou, em 2021, grande parte do controle dos R$ 7,4 bilhões dos recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) a deputados e senadores através do chamado “orçamento secreto”, esquema criado pelo governo para distribuir verbas públicas a parlamentares do Centrão de maneira sigilosa em troca de apoio político.

A manobra foi revelada em uma reportagem do Jornal O Globo na semana passada. Apelidada de “Bolsolão do SUS” nas redes sociais, a prática gerou a distribuição indevida do dinheiro voltado à promoção de políticas públicas em estados e municípios.

A Bahia recebeu, em média, entre 2020 e 2021, R$ 2,2 bilhões do Fundo Nacional de Saúde (FNS), de acordo com informações do site do órgão federal. Deste montante, a média das transferências feitas aos municípios por emendas parlamentares no mesmo período foi de R$ 931,9 mil. Enquanto a média anual entre 2014 a 2019 ficou em R$ 174 mil. (Confira a tabela na edição em PDF do Jornal da Metropole).

Com o aumento da distribuição de resursos do SUS via emenda parlamentares, alguns municípios baianos chegaram a alcançar valores mais de 457 vezes maiores na média dos últimos dois anos em relação ao período entre 2014 e 2019.

No estado, as cidades que mais tiveram discrepâncias foram Abaíra, Itamari e Madre de Deus. Elas tiveram, respectivamente, variações nas médias de empenho das verbas via emendas de 45.681%, 18.293% e 13.627%. Os municípios são seguidos no ranking por Contendas do Sincorá e Barra do Mendes, com 4.078% e 3.977% de diferença entre os períodos, nesta ordem.

Segundo o levantamento inicial do Conselho Estadual de Saúde da Bahia (CES-BA), 57 municípios baianos tiveram uma variação maior do que 1000%.

As cidades de Abaíra e Itamari são reduto eleitoral do deputado federal Ronaldo Carletto (PP), candidato a suplente de senador pelo partido na Bahia; e Madre de Deus, Contendas do Sincorá e Barra do Mendes, do deputado federal Cláudio Cajado, presidente nacional do PP e vice- -líder do governo no Congresso. A sigla é uma das principais da base aliada do presidente da República.

Diante disso, o CES-BA avaliou como “injusta e desproporcional” a destinação do dinheiro público do modo como foi feita. Segundo uma nota do órgão autônomo que delibera e fiscaliza o SUS na Bahia, a conduta do governo Bolsonaro “tem levado o país à adoção de políticas públicas mal planejadas”. As verbas do FNS são usadas para construir hospitais, comprar ambulâncias e bancar atendimentos médicos.

“Jamais seremos contrários à chegada de recursos no SUS, mas a formulação de políticas públicas precisa de planejamento. Precisamos usar corretamente o dinheiro da população, que paga impostos”, afirmou o presidente do CES-BA, Marcos Sampaio.

 

Improbidade sanitária

 

Presidente da Comissão de Saúde Pública da Ordem dos Advogados do Brasil seção Bahia (OAB-BA), Thiago Campos indicou que a adoção de critérios políticos para a distribuição da verba à saúde pública no Brasil pode levar o governo federal a responder por improbidade sanitária - quando atos ou omissões intencionais atentam contra o dever do Estado de “garantir a saúde”.

“A gente tem defendido a existência de um tipo de improbidade sanitária, com o entendimento de que manobras que desconsideram os critérios e a organização do sistema de saúde devem ser compreendidas como ações que violam a moralidade pública porque têm a finalidade desvirtuada do interesse público”, explica Campos.

Enquanto os critérios do SUS para o repasse de verbas levam em consideração as necessidades de saúde da população de cada local, a partir dos princípios da regionalização e da equidade, o chamado ‘Bolsolão do SUS’ promove o contrário.

“Essa ação causa uma acentuação na inequidade e acaba colocando recursos onde não precisa. Na Bahia, por exemplo, municípios com população de 30 mil pessoas receberam essas emendas parlamentares, que foram destinados à construção de um novo hospital, sem considerar a rede de hospitais já existente na região. Nós vamos, então, ter o fechamento de unidades de saúde, ao passo em que se (o dinheiro) fosse alocado de acordo com o planejamento de cada município e do estado, teríamos uma distribuição mais igualitária e razoável”, diz Campos.

O esquema é alvo de uma ação judicial, com representação dentro do Tribunal de Contas da União, com apuração junto ao Ministério Público Federal. As ações investigam se a alocação de recursos da Saúde cumpre critérios técnicos do planejamento do SUS e as reais necessidades de cada lugar.

Estes processos, porém, não são suficientes, no ponto de vista do presidente da Comissão. “Precisamos de uma ação da sociedade civil organizada para criar respeito à organização e ao funcionamento do SUS”, considera. Procurado, o Ministério da Saúde não respondeu aos questionamentos da reportagem.

 

Crise nos hospitais filantrópicos

 

Enquanto a verba do SUS é distribuída sem planejamento, os hospitais filantrópicos e as Santas Casas enfrentam a maior crise financeira da história. As unidades estão fazendo uma mobilização nacional reivindicando uma maior atenção do poder público, maior beneficiado pelo serviço das instituições.

Responsáveis por mais da metade do acesso ao atendimento de saúde pública no Brasil, as entidades estão com dívidas que ultrapassam, no total, R$ 20 bilhões, enquanto recebem verbas insuficientes para manter as suas atividades.

Em entrevista à Rádio Metropole, a presidente da Federação das Santas Casas da Bahia, Dora Nunes, reforçou a necessidade de um maior financiamento do SUS aos hospitais, com reajustes inflacionários, e atualização dos contratos, para evitar o fechamento de 86 hospitais na Bahia.

“O cenário é de caos e colapso total”, revelou Dora. De acordo com ela, a situação ainda é agravada com os efeitos da inflação alta, que chegou a 12,2% nos últimos 12 meses. “Hoje, a gente ainda tem um percentual da classe média que migrou do plano de saúde para o SUS, então a demanda aumentou e, infelizmente, se não houver solução, a tendência é fechar. Algumas em curtíssimo prazo”, explica.