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Inofensiva ou maledicente, fofoca já foi ferramenta de sobrevivência e agora é ameaça online

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Inofensiva ou maledicente, fofoca já foi ferramenta de sobrevivência e agora é ameaça online

Amada por uns e odiada por outros, fofocas passaram de uma ferramenta social que ajudou a garantir a sobrevivência da humanidade para fake news

Inofensiva ou maledicente, fofoca já foi ferramenta de sobrevivência e agora é ameaça online

Foto: Reprodução/Freepik

Por: Laisa Gama no dia 01 de maio de 2025 às 10:07

Atualizado: no dia 01 de maio de 2025 às 10:19

Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 1º de maio de 2025

Fofoca, mexerico, futrico, fuxico. Os nomes são vários, mas a prática é universal e histórica. E, diferente do que os inimigos do disse-me-disse pensam, a fofoca não só (como diria a sabedoria popular) edifica a relação entre casais, amigos e familiares, mas também tem ligação com a sobrevivência e a evolução humana. Pois é, eis aqui, finalmente a redenção dos fofoqueiros.

Mas nem tanto, porque, se antes o maior problema de uma fofoquinha era espalhar maledicências sobre o inimigo, agora esses riscos ganham novas proporções com as redes sociais. A fofoca ganhou outro contorno, ou melhor, uma filha ainda mais perigosa: a fake news, arma de desinformação que ameaça democracias e a saúde pública.

Evolução graças à fofoca

Se hoje os fuxicos rolam soltos nos grupos do WhatsApp, nas mesas de bar e nas copas de ambientes de trabalho, há 50 mil anos, claro, era bem diferente. Os humanos se reuniam em volta de fogueiras para compartilhar histórias dos colegas. Era muito mais do que implicância e passatempo, era questão de sobrevivência. Saber dos erros dos outros, das traições ou quem tinha caçado bem, era uma forma de mapear integrantes confiáveis e os trapaceiros, para manter o grupo coeso e pronto para a luta.

Fuxicos que edificam relações

Segundo o antropólogo Robin Dunbar, da Universidade de Oxford, os primatas usam a prática de catar piolhos para reforçar laços sociais, mas os humanos substituíram o toque físico pelas palavras. E nesse balaio, está a fofoca, que, segundo o antropólogo, não é apenas uma conversa trivial, mas também uma ferramenta essencial na construção e manutenção de relacionamentos sociais. Basta trazer para os dias de hoje, quantas amizades não surgiram do compartilhamento de um mexerico? Quantos relacionamentos não têm como “momentos de conforto” a troca de disse-me-disse? E quantas vezes você retomou o contato com aquele colega só para saber ou contar alguma fofoca?

Língua mexeriquenta

“Fiquei sabendo”, “nem te conto”, “me disseram”, “tenho um babado para você”. A linguagem da fofoca é muito específica, cada um tem o seu jeito. Mas e se alguém disser que a própria língua falada deve muito à fofoca? O historiador israelense Yuval Noah Harari, autor do best-seller Sapiens: Uma Breve História sobre a Humanidade, defende que o ato de fofocar ajudou a sedimentar a linguagem há 70 mil anos na chamada Revolução Cognitiva.

Um boato despretencioso cheio de maledicência

A fofoca foi passando por todas as épocas e gerações. Na Idade Média, “fofocas” sobre nobres e reis ecoavam nas feiras populares; séculos depois, panfletos anônimos ajudaram a espalhar boatos morais. Se tornou uma espécie de arte usar a fofoca para dominar a política. Claro, em muitas delas havia (e há ainda) a maledicência, o desejo de atacar o sujeito daquele mexerico. Mas muitas também ajudaram e ajudam a alertar contra comportamentos nocivos, a reforçar normas sociais, a expor atos antiéticos e até como uma válvula de escape emocional. E, na pior das hipóteses, revelam uma face lamentável dos que a espalham. Como Sigmund Freud sintetizou: “quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo”.

Foto: Reprodução/Canva

Do fato ao fake

Qual a diferença entre a fofoca das cortes e as das redes? Hoje, com um clique, qualquer futrico pode alcançar milhões. O salto temporal da fofoca oral para a desinformação digital pode ser explicado por três fatores: velocidade, anonimato e algoritmos. Um estudo do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) revelou que uma fake news é 70% mais propensa a ser compartilhada do que uma notícia verdadeira. É a mesma lógica da fofoca - quanto mais interessante e emocionante, mais fácil a propagação.

Mas, no caso da fake news, é ainda pior, porque essas informações falsas apelam diretamente para as emoções (gerando medo, raiva ou indignação) e são deliberadamente construídas e manipuladas para enganar e obter vantagens. Isso sem falar da ajudinha dos algoritmos.

Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Compartilhando caos

O caso do 5G e da Covid-19 ilustra isso bem. Em 2020, boatos de que a nova tecnologia de internet causava a doença levaram à depredação de antenas no Reino Unido e Holanda. Tudo iniciado por um post no Facebook. Nas eleições brasileiras de 2022, o fenômeno se repetiu. Deepfakes — vídeos manipulados digitalmente — de políticos foram compartilhados no Telegram, com algumas versões falsas alcançando mais visualizações do que discursos reais. Essa distorção da realidade tem efeitos concretos. De cada cinco brasileiros, um chegou a acreditar que a cloroquina seria a “cura” para a Covid-19, segundo uma pesquisa do instituto Ipsos sobre os mitos da pandemia.

Reação democrática

Os governos vêm reagindo às fake news: a União Europeia aprovou o Digital Services Act, que prevê multas de até 6% do faturamento de plataformas que não atuaram contra a desinformação. Mas empresas como a Meta, dona do Facebook e do Instagram, apesar de investirem bilhões por ano em moderação de conteúdo, ainda deixam escapar fake news, inclusive em anúncios nas redes. No fim das contas, a fofoca construiu pontes sociais e ajudou a fortalecer relações. Já a sua versão digital, acelerada, sem filtro e com potencial viral, ameaça essas mesmas estruturas.