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Em nome do progresso: Jornal Metropole relembra venda da primeira diocese do Brasil
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Em nome do progresso: Jornal Metropole relembra venda da primeira diocese do Brasil
A venda da Igreja da Sé da Bahia pelo próprio arcebispo primaz, em 1933, é base de livro que completa 50 anos
Foto: Acervo pessoal/reprodução
Reportagem publicada originalmente no Jornal Metropole em 24 de agosto de 2023
“A Sé da Bahia, do bispo Sardinha
na velha cidade de Todos os Santos
não mais existe, pois foi demolida
no século XX depois de vendida
por contos de réis, exatos 300
com voz empenhada de um arcebispo,
primaz do Brasil, Augusto de nome da
Silva, nascido em Pernambuco”
O poema de Fernando da Rocha Peres, historiador, professor, poeta e escritor, é uma denúncia. Em seu livro “Memória da Sé”, escrito em 1974, em que conta a história por trás da derrubada da primeira diocese do Brasil para a passagem de um bonde, Fernando escancara a escandalosa venda da Igreja pelo próprio arcebispo primaz do Brasil.
“Foi a primeira Diocese do Brasil, com o bispo nomeado em 1551”, conta Fernando da Rocha Peres. “Foi a Igreja mais importante do Brasil, porque foi a primeira que abrigou o lugar onde o Bispo exercia sua função clerical”.
Mas a igreja estava no meio do caminho do progresso. E o bonde precisava passar. E a igreja foi então vendida, como denuncia Fernando da Rocha Peres em seu livro. E foi assim, negligenciando a importância do patrimônio histórico, que, em 1933, o então interventor da Bahia, um cearense, Juracy Magalhães, decidiu pôr a reforma urbana proposta por Seabra em prática. “Eu considero a reforma meio absurda, na medida em que havia outros espaços para o crescimento da cidade. Ele demoliu não só a Igreja, como toda a freguesia da Sé para circulação do bonde”, diz.
Além da passagem do bonde, a reforma previa a construção de uma grande avenida: A Avenida Sete de Setembro. “A Sé impedia que a Avenida Sete de Setembro, que foi construída da Ladeira da Misericórdia até a Ladeira da Barra, fosse construída. Foram demolindo várias igrejas, inclusive a Igreja e o bairro de São Pedro. Hoje a avenida Sete de Setembro não existe mais como se configurou, os sobrados foram todos demolidos para construção de edifícios”.
E assim, desde o início do século passado, os casarios, os sobrados, as igrejas e o patrimônio da cidade de Salvador vão sendo postos abaixo em nome do progresso em negociatas estranhas, em nome de uma modernidade que desconsidera a própria história deste lugar.
“Continua-se a não dar importância ao patrimônio histórico. A prova disso é que o Palácio do governo (Rio Branco) foi vendido para a construção de um hotel de luxo”. Ele citou ainda o exemplo do edifício Mansão Wildberger, na Graça. “Aquilo é absolutamente irregular, não podia ter sido levantado ali”.
Para Fernando da Rocha Peres, falta à cidade de Salvador um projeto de crescimento que considere a relevância, as particularidades e a fenomenal importância histórica que a primeira capital do Brasil tem. “Já se tentou fazer isso na Prefeitura no tempo em que Mário Kertész foi prefeito. Depois ninguém mais cogitou. A reforma urbana de Salvador continua sendo feita sem projeto, e assim não se faz reforma urbana. As alterações no sistema viário da cidade, BRT, Metrô, tudo isso foi feito sem projeto”.
A história da derrubada da Igreja da Sé se repete a cada casarão histórico que se degrada, a cada reforma malfadada de uma estrutura pública, a cada proposta esdrúxula que ignora a relevância do patrimônio, a cada novo bonde que privilegia uma modernidade já ultrapassada em vez de realmente se projetar um futuro.
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