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Prédios históricos são privatizados para virar hotéis e especialista critica falta de “consciência patrimonial” em Salvador
As construções, tombadas ou não, passaram a ser vistas como uma responsabilidade indesejada e aos poucos foram deixadas de lado, muitas leiloadas, privatizadas e até vendidas
Foto: Filipe Luiz/Metropress
Reportagem publicada originalmente no Jornal Metropole em 31 de agosto de 2023
Com 474 anos de existência, Salvador é sem dúvidas uma cidade com muita história para contar. Por suas ruas, é possível ver as marcas de um passado ainda muito presente, isso porque só na capital são cerca de três mil edifícios construídos entre os séculos 18, 19 e 20. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), essa é uma das razões pela qual a cidade concentra quase todos os prédios históricos tombados no estado.
A realidade, no entanto, é que essas construções, tombadas ou não, passaram a ser vistas como uma responsabilidade indesejada. Aos poucos foram deixadas de lado, muitas leiloadas, privatizadas e até vendidas. Mas isso não é coisa recente. Há 90 anos, a Igreja da Sé da Bahia, primeira diocese no país, foi demolida para dar espaço a uma estação de bondes. Seu fim veio pelas mãos do próprio arcebispo, que vendeu o prédio. Essa história, inclusive, foi contada na edição anterior do Jornal Metropole.
O arquiteto Nivaldo Andrade, em entrevista à Rádio Metropole, comparou o caso da Igreja da Sé às atuais privatizações de prédios que fazem parte de um patrimônio histórico da cidade. “Essa coisa da autoridade pública, no caso do arcebispo receber um dinheiro para vender e demolir um bem patrimonial, isso se repete. Basta a gente ver as privatizações de imóveis importantes. Vários outros semelhantes, importantes na história da cidade, que deixam de ser propriedades públicas e passam a ser propriedades privadas”, pontuou.
Um exemplo mais recente é o Palácio Rio Branco, que apesar de não ser tombado, é um edifício imponente e histórico. Foi a primeira sede de governo nacional no Brasil após a chegada dos portugueses. No ano passado, o Ministério Público até tentou suspender a licitação do governo do estado, que concedeu o uso por 35 anos à BM Varejo Empreendimentos SPE S.A, mas sem sucesso. O prédio será usado como um hotel. Segundo a gestão estadual, a empresa foi a única interessada na licitação, cujo valor referencial girou em torno de R$ 26 milhões.
Mais hotel
Na Cidade Baixa, mais especificamente na região de Boa Viagem, um outro exemplo: o Solar Machado, uma construção dos anos 1800, que permanece sem uso há cinco anos, desde que o Abrigo Dom Pedro II, que recebia idosos em vulnerabilidade social, foi transferido para um outro prédio. Em junho, o prefeito Bruno Reis (União) confirmou o destino do prédio: também pode se tornar um hotel. E mais uma coincidência: a BM Varejo foi a empresa autorizada a realizar o estudo para essa transformação.
Na mesma ocasião, o prefeito anunciou que o Palácio dos Esportes também será transformado em unidade hoteleira, e o retorno do Hotel de Santo Antônio Além do Carmo. Para o arquiteto, é perceptível, em casos como esse, que há uma falha nos órgãos que deveriam preservar os patrimônios na cidade. “Até hoje, a gente vê em vários contextos, reações a essa preservação do patrimônio, dizendo que atravanca o progresso, por uma grande ignorância. Talvez também os órgãos do patrimônio não estejam fazendo o trabalho de educação patrimonial, que é sensibilizar a população sobre a importância da preservação do patrimônio”, afirmou.
Nivaldo Andrade ressaltou que, diferentemente do senso comum, a conservação de construções históricas pode na verdade contribuir para gerar riquezas. “Na Itália, por exemplo, o turismo é fortemente baseado na questão do patrimônio, faz girar muitos recursos e gera muitos empregos a partir da preservação do patrimônio”, exemplificou o arquiteto.
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