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Um medo chamado Tronox: Comunidade de Areias é rondada por receio de retaliação após morte de ambientalista
Ivo Bacana foi morto em 2013, após dar um depoimento na Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa da Bahia, para falar sobre a atuação da fábrica
Foto: Dimitri Argollo Cerqueira/Metropress
Reportagem publicada originalmente no Jornal Metropole em 26 de outubro de 2023
Auto-intitulada como a segunda maior produtora de pigmento de Dióxido de Titânio do mundo, a fábrica Tronox foi inaugurada na comunidade de Areias, na orla de Camaçari, há 52 anos. Com um longo histórico de danos ambientais causados ao distrito, comprovados pela Fundação José Silveira, a empresa é apontada pelos moradores da região como responsável pela contaminação da água, o que resultou em uma série de prejuízos à saúde da população.
Um dos residentes de Areias que acredita ter sido diretamente afetado pelo descarte indevido feito pela Tronox é Carlos Cardoso, que em 2008 foi diagnosticado com câncer no joelho e precisou ter a perna amputada. Antes de descobrir a doença, ele trabalhava com as pernas submersas em um tanque com água do lençol freático da região, contaminado sem seu conhecimento.
“Eu venci o câncer, mas a Tronox destruiu minha vida”, disse Carlos, ao relatar que precisou ser submetido a 17 cirurgias em 12 anos, após uma infecção no fêmur. “Me mudei em 1994. Não tinha água da Embasa em Areias, por isso a gente começou a beber água de cisterna, contaminada. Também andava sempre descalço pelo terreno, que anos depois fui descobrir que era cheio de substâncias prejudiciais”, relatou o morador ao Jornal Metropole.
Mas o medo na comunidade não tem relação apenas com os problemas de saúde. Os residentes de Areias passaram anos sem denunciar os danos vinculados à Tronox, preocupados com os riscos de retaliação. A situação ficou ainda pior depois do assassinato de uma ambientalista que fazia denúncias contra a fábrica.
O ambientalista em questão era Ivo Barreto, mais conhecido como Ivo Bacana. Em 2013, ele foi morto com quatro tiros na cabeça, horas depois de ter participado de uma sessão na Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa da Bahia, para falar sobre a atuação da Tronox.
Na época, quem convidou o ambientalista foi o ex-deputado Heraldo Rocha (União). “Eu fui com ele lá na Tibrás [atual Tronox] pra ver a situação da região. Depois eu consegui a permissão de Leur [então presidente da comissão] e Ivo foi depor. Ele era muito preparado, tinha um trabalho ótimo na área ambiental. Lembro que ele fez o depoimento e pouco tempo depois foi assassinado, não sei detalhes a posteriori, mas tomei um impacto muito grande com o crime”, relembrou ao Jornal Metropole.
Luta na Justiça
Mesmo com o medo instalado na comunidade, integrantes se organizaram em um grupo de 34 pessoas e entraram na Justiça contra a Tronox, com uma ação de caráter indenizatório. Com a movimentação na Justiça, alguns moradores deixaram a relutância de lado e passaram a denunciar, inclusive antigos trabalhadores da empresa.
Um deles é Antônio Rodrigues da Silva, que iniciou sua carreira na fábrica quando ela ainda se chamava Tibrás e deixou a empresa após ela assumir o nome Millenium. Foram 26 anos e 7 meses de serviço. “Os funcionários não podiam falar, mas todo mundo sabe que a Tronox é poluente. O impacto na saúde aqui em Areias castiga a maioria dos moradores. Castiga com problemas de câncer, problemas respiratórios. Minha esposa está lutando contra o câncer de mama, não vamos confirmar que é [culpa] da Tronox, mas tudo indica. Ela polui tanto o ar, quanto o subsolo”, contou.
Outra moradora afetada é Maria Lúcia dos Santos, de 61 anos. Moradora de Areias há 39 anos, ela foi diagnosticada com pneumonia dupla e insuficiência cardíaca. Segundo a moradora, apesar dos diversos problemas de saúde da população, a Tronox “nunca se pronunciou” sobre os problemas que causou. “Nunca deu remédio, nunca deu nada. Uma vez, quando houve o vazamento de um trem que atingiu toda a região de Areias, um vizinho foi lá e eles queriam dar leite, dizendo que leite era remédio. Foi isso que recebemos”, contou.
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