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Da vanguarda ambiental ao concreto: Com fundação do Cepram, Bahia foi pioneira no debate sobre meio ambiente

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Da vanguarda ambiental ao concreto: Com fundação do Cepram, Bahia foi pioneira no debate sobre meio ambiente

Com implantação do Conselho Estadual do Meio Ambiente, há 50 anos, a Bahia foi pioneira em políticas para preservação da natureza

Da vanguarda ambiental ao concreto: Com fundação do Cepram, Bahia foi pioneira no debate sobre meio ambiente

Foto: Divulgação/Mateus Pereira/Gov

Por: Mariana Bamberg no dia 14 de dezembro de 2023 às 09:14

Atualizado: no dia 14 de dezembro de 2023 às 09:26

Reportagem publicada originalmente no Jornal Metropole em 14 de dezembro de 2023

Não é exagero. O ano de 2023 tem tudo para integrar cenas de um filme apocalíptico de ficção científica. Estiagens batendo recorde atrás de recorde no Nordeste. Sudeste marcando sensações térmicas de 50ºC. Temporais destruindo cidades inteiras no Sul. Nuvens de fumaça cobrindo bairros no Norte. E por aí vai. Mas, até pouco tempo antes disso tudo, os efeitos das mudanças climáticas e as respostas às agressões ambientais no Brasil eram tidas como algo distante, coisa de lunático ou bicho-grilo, como eram chamados os ambientalistas. Hoje, pode até causar estranheza, mas foi a Bahia o estado pioneiro no assunto “proteção ao meio ambiente”. E isso aconteceu há exatos 50 anos.

Pioneira nas políticas ambientais

Era 4 de outubro de 1973. Antes mesmo do Instituto do Meio Ambiente (IMA, que posteriormente originou o Inema, Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos), do Ministério do Meio Ambiente e até mesmo da Política Nacional do Meio Ambiente (Conama). Nenhum desses órgãos e iniciativas sequer pensava em existir quando foi criado o Conselho Estadual de Proteção Ambiental, hoje Conselho Estadual do Meio Ambiente ou apenas Cepram.

O movimento ecologista havia acabado de surgir na Europa e só anos depois iria originar o Partido Verde alemão. A ONU tinha se debruçado, pela primeira vez, sobre a defesa ao meio ambiente há apenas um ano, na Conferência de Estocolmo. E a Bahia, aqui, já queria discutir o assunto. Mas, na época, ele era visto como algo tão irrelevante que o projeto para criação do conselho acabou sendo aprovado com a maior tranquilidade na Assembleia Legislativa da Bahia.

Talvez houvesse mais resistência se fosse possível prever que o Cepram chegaria a ser responsável por estabelecer normas, analisar recursos de multas, propor áreas de conservação e aprovar seus planos de manejo, e até poder avocar a avaliação de licenças ambientais. Mas a verdade é que o projeto do Conselho era desacreditado, em meio ao pensamento dominante de que o “progresso” passaria por cima de tudo. Foi o então secretário do Planejamento, Ciência e Tecnologia, Mário Kertész, que comprou a briga e garantiu a implantação do Cepram. Nessa época, ele trabalhava na criação do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (Ceped), um projeto cuja proposta seguia a linha defendida por ele: conciliar meio ambiente e desenvolvimento. Ele foi inaugurado em 5 de março de 1975, dez dias antes do fim do governo de Antonio Carlos Magalhães.

Polo Petroquímico

Irundi Edelweiss foi um dos primeiros membros do conselho e diretor do Ceped. Ele lembra que os cuidados para instalação das empresas no Polo Petroquímico de Camaçari, que começava a ser planejado naquela altura, foram discutidos no Cepram. “Havia um polo petroquímico anterior a esse da Bahia, que estava no ABC paulista, depois da sua implantação foram surgindo alguns problemas ambientais e não queríamos cometer os mesmos erros que eles”, conta Irundi.

Inicialmente o conselho era composto por integrantes do governo estadual. Estavam lá os secretários da Saúde, de Saneamento e Recursos Hídricos, da Agricultura, da Indústria e Comércio, de Minas e Energia, e, claro, o do Planejamento, Ciência e Tecnologia, que também presidia o Cepram. Além deles, tinha ainda representantes dos Portos e Costas da Marinha, da Federação das Indústrias, da Prefeitura de Salvador e um técnico em controle de poluição ambiental. De lá para cá, algumas coisas mudaram. Hoje, o conselho faz parte da estrutura da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) e é presidido pelo líder da pasta, Eduardo Sodré Martins. Os membros saíram de 10 para 33, uma vitória segundo avaliação de Kitty Tavares, ex-diretora executiva do Cepram. Ela explica que agora o Cepram tem representantes do governo federal, dos governos municipais (por meio da União dos Municípios da Bahia), universidades, comunidades tradicionais, do setor empresarial e principalmente da sociedade civil (retratada por sindicatos e ONG’s).

“O Cepram foi uma espécie de baliza para a implementação do Polo Petroquímico. E isso aconteceu em uma época que não se falava em meio ambiente. Era pós-década de 50, depois do governo de Juscelino Kubitschek, que prometeu os 50 anos [de desenvolvimento] em 5 [anos]. Hoje já se discute, porque chegamos a um ponto de não retorno. Se a mudança climática não chegava a quem falava, hoje ela já chega”, afirma o secretário.

Foto: Metropress/Tácio Moreira

A proteção e o detalhe no nome

Mas, naquela época, o Cepram não foi o único passo em direção à conservação dos recursos naturais no estado. Pouco antes da fundação dele, há exatamente um mês, o Parque Metropolitano do Pituaçu foi criado nas margens da Avenida Luís Viana Filho, a Paralela. A iniciativa também foi da Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia, e o objetivo era tentar blindar aquela região da sempre predadora especulação imobiliária. Isso porque a alguns minutos de caminhada dali estava sendo desenvolvido o Centro Administrativo da Bahia (CAB). A ideia do então secretário Mário Kertész era simples: delimitar o espaço e nomeá-lo com um detalhe: a palavra metropolitano. Ela faria com que o parque saísse das mãos mais vulneráveis da prefeitura e passasse para o governo do estado, que inclusive havia acabado de criar a Região Metropolitana de Salvador. E deu certo, mesmo com o boom populacional na região, o parque já completou 50 anos.

A Bahia teve outras conquistas ambientais no decorrer deste tempo. Muitas delas, inclusive, com apoio do próprio Cepram. Kitty Tavares, a ex-diretora executiva do conselho, relembra a saída da fábrica de chocolate Chadler, que ficava na região da Cidade Baixa. Quem morou, até 1995, entre os bairros do Uruguai e Roma, deve se recordar do cheiro de chocolate e da fumaça no ar. O Cepram chegou a apreciar a situação da indústria, mas a única saída era o isolamento total da área, algo inviável para a estrutura. A Chadler acabou enfrentando problemas com as licenças, e influenciada também pela crise da vassoura-de-bruxa nas plantações de cacau, saiu de Salvador.

Rumo ao concreto

Hoje, causa até estranheza falar em pioneirismo na defesa ao meio ambiente. Mesmo depois de tantos eventos climáticos extremos, há quem ainda defenda o chamado “progresso” acima da natureza. E eles costumam vencer. Basta olhar o horizonte da cidade de Salvador e perceber a quantidade de concreto à vista. À custa de muito verde e equilíbrio ecológico, espaços foram abertos para dar passagem ao metrô, o BRT, viadutos, vias expressas e grandes espigões na orla. Não há aqui uma defesa de que a mobilidade não deve ser repensada e que o desenvolvimento e postos de trabalho não importam. Os próprios ambientalistas, vistos como inimigos do progresso, são a favor dele. Um dos diretores do grupo Gambá, que inclusive integra o Cepram, Renato Cunha acredita que o que falta nessas decisões é participação da sociedade.

“A especulação imobiliária manda muito, por isso que temos essas propostas aí de prédios que vão sombrear as praias, projetos equivocados. O próprio BRT, não que ele seja uma mobilidade errada, mas a forma que está acontecendo, esses viadutos destruindo várias vegetações, é o problema. É preciso ver como manejar de outra forma esse desenvolvimento. Claro que a gente tem que ter desenvolvimento, mas com decisões mais participativas”, afirma.

Essa participação da sociedade - e principalmente de ONG’s - só começou a ganhar algum destaque nos anos 1990, com a ECO92, no Rio de Janeiro. O evento, claro, aconteceu com toda pompa possível, afinal foram 108 chefes de Estados presentes. O então presidente, Fernando Collor de Mello, chegou a transferir a capital do país para terras cariocas e até convocou as Forças Armadas para a segurança do evento. Mas o resultado foi a definição de uma série de ações com metas genéricas e ambíguas e pouco foi cumprido de lá pra cá.

Muitos encontros, pouca solução

Nas últimas semanas, em um ano marcado por grandes mudanças climáticas, mais um encontro: chefes de Estados e diplomatas de 200 países se reuniram nos Emirados Árabes, um dos principais produtores de gás e petróleo no mundo. Foi a COP28, que contou, inclusive, com a presença do presidente Lula (PT), do governador Jerônimo Rodrigues (PT), ministros e secretários. Apesar das presenças e da repercussão, o evento já começou com certa desconfiança, não só pela sua sede, mas também por esse histórico de decisões pouco efetivas neste tipo de encontro.

“A existência dessas COP’s é sim importantíssima, é fundamental toda essa discussão. Mas o que a gente vê é que essas decisões, muito políticas, são definidas, mas para serem implementadas são outros quinhentos. Em uma delas, foi aprovado um fundo para mudanças climáticas que nunca foi viabilizado”, avalia o diretor do grupo Gambá.

Na COP28, todos concordaram com o apelo para que as nações abandonem os combustíveis fósseis. O acordo, no entanto, não inclui ações práticas de como deve ser feito e nem sequer um compromisso explícito. No final das contas, o que falta é justamente isso: ação e compromisso. Não só nos Emirados Árabes, por aqui também.