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Licença à folia: JM troca a lente do Carnaval para mirar as desigualdades da festa

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Licença à folia: JM troca a lente do Carnaval para mirar as desigualdades da festa

O Jornal Metropole desta semana pede licença à folia para ampliar a visão sobre o Carnaval de Salvador e exibir a desigualdade que desfila na avenida

Licença à folia: JM troca a lente do Carnaval para mirar as desigualdades da festa

Foto: Secom/Betto Jr.

Por: Maria Eduarda Matos e Mariana Bamberg no dia 08 de fevereiro de 2024 às 10:20

Atualizado: no dia 08 de fevereiro de 2024 às 10:29

Reportagem publicada originalmente no Jornal Metropole em 08 de fevereiro de 2024

É Carnaval

É hora de sambar

Peço licença ao sofrimento

Depois eu volto pro meu lugar

Para muitos, os versos de Batatinha, na música Depois Eu Volto, não poderiam ser mais fiéis à folia do Carnaval. Pelas lentes do artista e do folião, a festa é um colorido e barulhento refúgio da dureza da realidade. Mas para muitos não significa para todos. As cores e a música ainda não representam portas fechadas para a miséria e a desigualdade. Por isso, nesta edição do Jornal Metropole, pedimos licença a Batatinha e ao clima carnavalesco que já toma conta da cidade, para mudar as lentes que filmam o Carnaval e fazer o movimento contrário ao da música.

Isso não é um manifesto contra a folia. De jeito algum. Ainda voltaremos a ela nesta edição. Afinal, do lado de cá, também haverá curtição e transmissão. Porque, mesmo que seja por apenas alguns dias, pedir licença e sambar na cara do sofrimento também é importante, é um acalento e faz parte da essência do povo baiano.

Um navio negreiro

Gente vinda de todos os cantos do Brasil e do mundo, uma explosão de brilho e de cores em uma festa. Mas só uma cor e um endereço (periferia) catam latinha, seguram a corda e dormem na avenida para não perder o ponto do isopor. A diária de um cordeiro, depois de muita negociação, chegou neste ano a R$ 80, já o quilo da latinha não passa de R$ 2. Esse é o mesmo Carnaval em que alguns podem pagar R$ 45 mil por sete dias em um apartamento no circuito ou R$ 30 mil em um camarote, com direito a escolta e outras mordomias.

Professor e vereador, Edvaldo Brito é autor do Estatuto dos Cordeiro de 2010. Em entrevista à Rádio Metropole, ele traduziu o Carnaval para esta categoria como um verdadeiro navio negreiro. E não é para menos. Naquele ano, por exemplo, foi preciso um decreto para obrigar os empresários a fornecer aos trabalhadores camisas, luvas, chapéus, protetor auricular, água, lanche e banheiros. Edvaldo Brito era vice-prefeito e chegou a anunciar que romperia com o então prefeito João Henrique caso ele não assinasse o decreto. Quatorze anos depois, pouca coisa mudou. O agora vereador reconhece isso e afirma que falta fiscalização. Ao Jornal Metropole, ele cobrou punição aos blocos que não cumprem as obrigações junto à categoria.

“Quem não apanha não aprende, é preciso ter autoridade. Autoridade não é para ficar em cima do camarote sendo ovacionada, é preciso ter força para cumprir, independente de quem seja o artista, o bloco, o trio. É preciso deter os exploradores”, afirmou Edvaldo Brito.

Esta festa tem dono

Há quem diga que o papel dos gestores públicos em casos como esse é apenas mediar. Mas como media-se um embate entre tubarões e peixes pequenos, senão subsidiando forças para o lado mais vulnerável? Não sendo assim, a conclusão é apenas uma: vence o maior. Foi o que aconteceu. A categoria pedia R$ 150 pela diária e acabou com R$ 80, mesmo defendendo não ser suficiente.

Enquanto isso, entra ano, sai ano e a imprensa continua levantando a polêmica sobre quem é o protagonista na festa: Prefeitura ou Governo do estado? A preocupação parece ser responder às perguntas sobre quem é mais indispensável, quem ganha mais holofotes ou quem coloca mais trios e artistas na rua. Mas a verdade é que sem a segurança, os serviços de saúde e os incentivos estaduais, não há Carnaval. Assim como, sem a estrutura, serviços, fiscalização e apoios da gestão municipal também não tem festa.

Se o protagonismo fosse medido pela escala do lucro, ele estaria com donos de blocos e camarotes. Aqueles que chegam a cobrar R$ 1,5 mil por algumas horas do lado de dentro da corda ou até R$ 3,5 mil por uma noite no alto das torres. Que, no geral, pagam 2% de imposto municipal e são os únicos que podem comercializar qualquer marca dentro do circuito.

Leva quem dá mais

Em uma conta simples, levando em consideração a média diária de 3,5 mil associados em um bloco, a receita chega a R$ 5 milhões. Em um camarote, pode ultrapassar R$ 12 milhões. Mas, com montantes ainda mais volumosos, o protagonismo poderia ser também dos grandes patrocinadores. Em 2013, a prefeitura passou a negociar cotas da festa com a contrapartida de só ser permitida a venda e divulgação da marca patrocinadora nos circuitos. Desde então, só estão ilesos a essa determinação os blocos e camarotes.

Por isso, depois de mais de 10 anos, o modelo continua sendo alvo de reclamação dos ambulantes e foliões, que querem ter o direito de escolha. O meio jurídico também questiona, afinal é uma festa em via pública. Nos três primeiros anos, por exemplo, a patrocinadora foi a cerveja Schin, que, cá entre nós, não é das mais populares no estado. Neste ano e no ano passado, a Ambev, detentora da cerveja Brahma, é a patrocinadora. O negócio é tão importante, que ela já foi confirmada para a folia de 2025. O valor do patrocínio deve girar em torno de R$ 26 milhões.

A verdade é que o protagonismo deveria estar mesmo no folião, nos ambulantes, no cordeiro, no catador de materiais recicláveis e demais trabalhadores que fazem essa magia do Carnaval de Salvador acontecer. E que pedem licença à dureza da realidade para viver e festejar. Como a ambulante Dulcinéia Silva, que mesmo dormindo no circuito 15 dias antes da festa começar, já sabe que no próximo ano estará lá de nov. Pela necessidade, mas também pelo amor ao Carnaval.

É por essa paixão do baiano que a Metropole e a Macaco Gordo se unem para a transmissão multiplataforma Salvador Carnaval do Brasil, que já começou desde a última quinta-feira e só termina na Quarta-feira de Cinzas. São 100h de transmissão, mais de 80 profissionais, equipes distribuídas pelas ruas, estúdios e camarotes para não deixar passar nenhum detalhe da folia. Nas nossas ondas e telas, garantimos, o protagonismo está no folião e trabalhadores da festa.