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Menos verde, mais cimento: Concreto avança pela cidade, enquanto áreas verdes são alvo de leilão em Salvador

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Menos verde, mais cimento: Concreto avança pela cidade, enquanto áreas verdes são alvo de leilão em Salvador

Terrenos como o da foto, localizado no bairro do Itaigara, foram colocados à venda em leilões com laces mínimos que chegam a R$ 13 milhões

Menos verde, mais cimento: Concreto avança pela cidade, enquanto áreas verdes são alvo de leilão em Salvador

Foto: Metropress/Danilo Puridade

Por: Jairo Costa Jr. e Letícia Alvarez no dia 14 de março de 2024 às 09:20

Atualizado: no dia 19 de março de 2024 às 14:23

Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 14 de março de 2024

Em vez de árvores, cimento, aço e concreto avançam sobre a paisagem urbana. O processo e os efeitos decorrentes dele já são conhecidos há décadas pelos habitantes de grandes e médias cidades brasileiras. Mas em Salvador ganham impulso cada vez maior, a reboque da sanha da especulação imobiliária e com apoio da prefeitura. O alarme de perigo ao meio ambiente da capital soou alto recentemente, diante do leilão de mais 13 terrenos e áreas verdes, amplificado pela polêmica envolvendo a disputa por um pedaço até então protegido na encosta do Corredor da Vitória, com os olhos voltados para a Baía de Todos-os-Santos.

Embora a cidade só tenha despertado para os riscos nos últimos dias, foi em 20 de dezembro do ano passado que o verde começou a desbotar. Mas precisamente quando a Câmara de Vereadores, sob protesto de ambientalistas, aprovou um projeto de lei do Executivo que permitiu à prefeitura desafetar 40 terrenos públicos e colocá-los à venda, em um pacote de leilões que começou de fato no último dia 7 e seria encerrado na sexta-feira (15), caso a última oferta não fosse barrada pela Justiça. A 6ª Vara Federal de Salvador suspendeu o leilão do terreno que até então era considerado a joia da coroa: a Área de Proteção Permanente da Vitória, cujo lance mínimo era de R$ 10,8 milhões. A decisão foi uma resposta a uma medida de urgência requerida pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Bahia (CAU/ BA), que alega que a venda não obedece às normas constitucionais e não contou com estudos técnicos adequados.

Foto: Metropress/Danilo Puridade

Localizado na cobiçada encosta do metro quadrado mais caro de Salvador, a área protegida pela legislação ambiental pertencia ao luxuoso condomínio Mansão Costa Pinto e foi doada à prefeitura para viabilizar a construção do empreendimento. O intuito era garantir que ele fosse preservado. Mas a história do terreno poderia ter sido outra, já que com o leilão ele provavelmente seria vendido à construtora OR, subsidiária da Odebrecht, cujos planos eram erguer um espigão do tipo prime com 40 ou 50 andares, a depender da versão que corre nos bastidores do negócio.

O Ministério Público da Bahia (MP) também já tinha tentado frear o processo, ao recomendar que o prefeito Bruno Reis (União) suspendesse o leilão, mas a tentativa sequer foi cogitada pelo gestor. Em conversa narrada pelo apresentador Mário Kertész, âncora da Rádio Metropole, Reis defendeu a venda do terreno, ao justificar que o dinheiro arrecadado seria revertido em investimentos para a população. Além, é claro, de gerar novos IPTUs de alto valor para os cofres do município.

Os outros leilões não foram suspensos, mas também têm sido alvo de uma série de críticas. Incluido o terreno de 2.874 m² localizado na Avenida Antonio Carlos Magalhães, entre o Parque da Cidade e o Hospital Teresa de Lisieux, vendido na sexta-feira passada (8) para a construtora Incorpora Brasil por R$ 5,85 milhões. Para o diretor do Instituto de Arquitetos do Brasil na Bahia (IAB), Daniel Colina, a “desafetaçāo das áreas verdes, assim como a verticalização e o sombreamento ilegal nas praias, tem a mesma origem: a não aplicação da legislação urbana em vigor”.

Engajamento necessário

“O debate não é apenas de arquitetos e advogados, como também de outras categorias profissionais, mas, fundamentalmente, é dos cidadãos”, afirmou o urbanista, sobre a necessidade de empenho por parte da sociedade civil organizada para evitar a expansão do concreto em áreas verdes da cidade. Esse acelerado movimento é fortemente criticado também por quem defende a causa ambiental, como a professora universitária Isabel Perez, integrante do Coletivo Stella Maris, grupo que atua na preservação dos ricos e variados ecossistemas do bairro, como as célebres dunas.

Moradora de Stella há quase 30 anos, Isabel condenou a desafetação dos terrenos e traduziu a preocupação que paira sobre a cabeça de muitos iguais a ela: “Quem vai comprar essas poucas áreas verdes que ainda restam na cidade e o que farão com elas? Mais espigões? A população precisa de áreas públicas. A cidade precisa de ventilação, de arborização, de espaços culturais públicos. Essa desafetação não interessa aos que pensam a cidade como um espaço de vida e lazer saudável”, desabafou.

Outra versão

A prefeitura vê o assunto por um prisma totalmente oposto, manifestado pela frieza com a qual são construídas as notas de esclarecimento, a exemplo da que foi enviada pela Secretaria Municipal de Comunicação (Secom). Em síntese, afirmou que “a venda de terrenos, por meio do Edital de Licitação nº 001/2024, foi autorizada pela Lei Municipal nº 9.775 - aprovada pela Câmara de Vereadores, em dezembro de 2023”. “A medida tem como objetivo fomentar o desenvolvimento econômico e social em áreas prioritárias da cidade”, justificou.

“Em relação às Áreas de Preservação Ambiental (APA), é importante destacar que a alienação é permitida por fundamentos legais, desde que sejam respeitadas as diretrizes das legislações ambiental e urbanística. Nesse sentido, a Prefeitura tem adotado todas as medidas necessárias para assegurar a preservação do meio ambiente e o cumprimento da legislação. Entre as ações praticadas destaca-se o artigo 1º da Lei 9.775/2023, que classifica expressamente o imóvel como Área de Proteção Ambiental (APA) não edificável, ou seja, que não é permitido a construção de edificações”, acrescentou.

Por fim, conclui a prefeitura, “a administração municipal reforça o compromisso com a transparência e lisura em todas as etapas do processo de venda, seguindo rigorosamente os trâmites legais estipulados pela legislação”. As garantias do Poder Público, entretanto, não eliminam os riscos ao bem-estar coletivo assegurado pelas áreas verdes em uma cidade onde o frescor das sombras diminui a olhos vistos, em meio ao calor do Verão, a cada ano mais difícil de suportar.

Foto: Metropress/Danilo Puridade

Em cinco anos, 21 áreas e terrenos públicos em Salvador foram vendidos pela prefeitura

Embora a venda de áreas verdes e terrenos do patrimônio público do município pareça polêmica nova, ela tem origem em um processo que está em curso desde a década passada. Somente nos últimos cinco anos, a prefeitura de Salvador vendeu 21 imóveis do tipo que foram desafetados por leis aprovadas pela Câmara de Vereadores e oferecidos por meio de sucessivos leilões. O número foi revelado na quarta-feira (13) pela Metropolítica, coluna diária de notícias exclusivas e informações sobre os bastidores do poder, lançada pelo portal Metro1 no último dia 6.

De acordo com levantamento feito na base dados da Secretaria Municipal da Fazenda (Sefaz), quase todos os terrenos estão localizados em bairros nobres da cidade, como Barra, Ondina, Alphaville, Itaigara e Pituba, ou cobiçados pela especulação imobiliária, a exemplo de Piatã e Federação. Em tamanho, as áreas leiloadas desde 2019 totalizam aproximadamente 75 mil m², o equivalente a mais de sete campos de futebol profissional, e renderam aos cofres do município R$ 77 milhões.

A maior parte do montante se refere ao terreno de 36,2 mil m² onde está sendo concluído o segundo home center da Ferreira Costa em Salvador, no Vale dos Barris. A área foi arrematada por R$ 40 milhões em 5 de fevereiro de 2019 pela Mavira Participações, controladora da gigante varejista de materiais de construção e produtos para cama, mesa e banho. Conforme revelado pelo portal Metro1 no último dia 26 de fevereiro, a prefeitura contrariou a Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo do Município (Louos) e autorizou a licença para ampliação da unidade em dimensões acima do previsto para lotes destinados a empreendimentos comerciais na cidade, limitado a 20 mil m².

Fazem parte da lista ainda dois terrenos de alto valor vendidos em abril e em agosto de 2019. O primeiro, em Piatã, mede quase 10,5 mil m² e foi adquirido conjuntamente pelas empresas Atual Participações e 4 Estações Empreendimentos por R$ 9,5 milhões. O segundo, de 2.142 m², está situado em Alphaville e teve como arrematantes dois investidores privados, que pagaram R$ 4,38 milhões. Ao longo do período, a prefeitura realizou 69 leilões de áreas públicas. A maioria, no entanto, fracassou por ausência de interessados, acabaram impedidos por ações judiciais ou foram suspensos por decisão unilateral da Sefaz.