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Prisão de mandantes do assassinato de Marielle Franco expõe o tamanho dos tentáculos da milícia no RJ

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Prisão de mandantes do assassinato de Marielle Franco expõe o tamanho dos tentáculos da milícia no RJ

Desde o início de 2017, Marielle Franco havia se tornado uma espinha entalada na garganta dos Brazão

Prisão de mandantes do assassinato de Marielle Franco expõe o tamanho dos tentáculos da milícia no RJ

Foto: Divulgação/Alerj/Câmara dos Deputados/Mario Agra/Agência Brasil/Fernando Frazão

Por: Jairo Costa Jr. no dia 28 de março de 2024 às 00:00

Atualizado: no dia 28 de março de 2024 às 09:24

Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 28 de março de 2024

Durante seis anos, uma interrogação pairou como sombra sobre o país: quem mandou matar Marielle? Já se conheciam os executores, dois ex-policiais militares com serviços prestados ao chamado Escritório do Crime, e quase todos os cúmplices da trama. Mas foi somente no último dia 24 de março que o Brasil conheceu aqueles que encomendaram o assassinato da então vereadora do Rio de Janeiro pelo Psol, alvejada por três tiros na cabeça e um no pescoço em março de 2018, no centro da capital fluminense, ao lado do seu motorista, Anderson Gomes, também morto.

Em delação premiada, cujo teor completo foi revelado apenas nesta semana, o ex-PM Ronnie Lessa, autor dos disparos, apontou dois personagens conhecidos tanto pela trajetória política quanto pelas ligações com a milícia do Rio. Segundo Lessa, os mandantes foram os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, ambos presos pela Polícia Federal no domingo passado. O primeiro, ex-vereador e ex-deputado estadual, é hoje conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ). O segundo, deputado federal pelo União Brasil, de onde foi expulso um dia após a prisão.

As digitais da família Brazão na morte já haviam sido expostas pelo The Intercept Brasil em janeiro, em reportagem dos jornalistas Flávio VM Costa, André Uzeda e Carol Castro, baseada em trechos da delação de Lessa, que foi preso em 2019 junto ao comparsa, o ex-PM Elcio Queiroz, a quem coube conduzir o Cobalt usado no assassinato Os detalhes fornecidos pelo atirador levaram também à prisão do delegado Rivaldo Barbosa, considerado pela PF peça-chave na engrenagem do crime.

Segundo a decisão judicial que culminou com o cerco aos Brazão, Barbosa contribuiu na “preparação do crime, colaborando ativamente na construção do plano de execução e assegurando que não haveria atuação repressiva por parte da Polícia Civil”. Então diretor da Divisão de Homicídios do Rio, ele esteve presente à reunião em que Marielle foi sentenciada à morte por Domingos e Chiquinho. Coube a ele planejar os detalhes e evitar rastros que levassem à descoberta dos mandantes. Em contrapartida, além de dinheiro, Barbosa teria a carreira na Civil impulsionada pela forte influência política dos irmãos.

Desde o início de 2017, ainda de acordo com a PF, Marielle havia se tornado uma espinha entalada na garganta dos Brazão, por conta de sua luta para que a população não comprasse lotes em áreas controladas pela milícia. Acusados pela polícia de atuar em uma variada gama de atividades criminosas, os irmãos eram envolvidos em grilagem de terras em bairros sob domínio dos milicianos.

Em sua delação, Ronnie Lessa contou que foi convocado para uma reunião com Barbosa e os Brazão no segundo semestre daquele ano. O motivo era sacramentar a execução da vereadora. A ideia era infiltrar uma pessoa de confiança na militância Psol para vigiar os passos da vereadora e fornecer detalhes sobre a rotina dela, incluindo percursos e agenda de eventos. O ex-PM narrou ainda um segundo encontro com o delegado em que Lessa foi orientado a não cometer o crime nos arredores da Câmara de Vereadores. Barbosa queria evitar que a morte pudesse ganhar “conotação política, levando pressão às forças policiais para uma resposta eficiente”.

A participação no crime pavimentou o caminho para que Barbosa fosse nomeado delegado-geral da Polícia Civil, topo da carreira, e ato assinado pelo interventor designado pelo então presidente Michel temer (MDB) para cuidar da crise na Segurança Pública do estado do Rio, o general Braga Netto, posteriormente alçado à cúpula do governo Jair Bolsonaro (PL). Em uma demonstração do mais absoluto cinismo e confiança na impunidade, Barbosa tomou posse do cargo em solenidade realizada na véspera da execução. Não esperava que um dia a casa cairia sobre ele e os demais envolvidos na morte brutal de uma vereadora empenhada em combater as milícias.