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Disputa movida a álcool: ‘Imposto do Pecado’ deflagra guerra entre cervejarias e fabricantes de destilados

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Disputa movida a álcool: ‘Imposto do Pecado’ deflagra guerra entre cervejarias e fabricantes de destilados

De um lado, fabricantes de destilados querem ser taxados com isonomia, enquanto do outro, o segmento de cervejarias quer manter os benefícios tributários

Disputa movida a álcool: ‘Imposto do Pecado’ deflagra guerra entre cervejarias e fabricantes de destilados

Foto: Sindicerv/Agencia Brasil/Valter Campanato

Por: Jairo Costa Jr. e Gláucia Campos no dia 13 de junho de 2024 às 09:32

Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 13 de junho de 2024

Bem-vindos ao Boteco da Discórdia! Aqui a cerveja agora ataca a cachaça, o vinho bate-boca com a roska e vice-versa. Tem sido assim desde que a clientela predominante, os deputados e senadores, resolveu incendiar o salão trazendo o imposto do pecado para a balada. É só escolher o que vai no copo, sentar e assistir a uma confusão que começou a ficar feia a partir de março, quando o governo federal decidiu incluir o tal imposto no projeto de regulamentação da reforma tributária.

A ideia de criar um tributo seletivo, segundo os defensores da proposta, não foi movida em direção ao que a fatia mais careta da sociedade considera imoral, como leva a crer o uso da palavra “pecado” para designá-lo. Os alvos são produtos que a ciência comprovou que fazem mal à saúde ou engordam: bebidas alcoólicas, cigarros, alimentos ultraprocessados e até veículos poluentes entraram no rol de possibilidades. Mas o salseiro, por enquanto, está restrito à indústria da birita.

A rigor, o grande duelo se dá entre os fabricantes de cerveja e os de bebidas destiladas, tais como uísque, vodca, gin, conhaque, rum, tequila e cachaça, entre muitos outros tipos. A primeira turma defende com o vigor de sempre que o novo imposto incida em escala gradual. Ou seja, quem tem menor teor alcoólico deveria pagar alíquotas mais baixas, sob o argumento de que são menos prejudiciais ao organismo. Já as destilarias pregam que a taxação seja igual para todos, com base na tese de que, nesse mercado, o índice de nocividade é o mesmo.

Na prática, as cervejarias trabalham ativamente para manter os privilégios tributários que possuem. Pelas regras hoje em vigor, a bebida leva uma mordida de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de 3,9%, bem mais leve que a dos concorrentes. Os destilados, em contrapartida, pagam alíquotas de IPI que beiram os 20%. A justificativa para elevada distorção é justamente as escalas de gradação alcoólica.

Álcool é álcool

Disposta a mudar o cenário, a Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD) decidiu calçar as luvas e entrar no ringue contra as cervejarias. Além das ofensivas junto ao Congresso Nacional e à equipe econômica do governo federal, a entidade lançou recentemente a campanha Álcool é Álcool. O eixo principal da estratégia é um estudo comparativo cujos resultados, segundo a ABBD, mostram que 350 ml de cerveja, volume da latinha padrão, e uma dose de 40 ml de destilado possuem a mesma quantidade de álcool: 14 gramas.

“É fundamental compreender que as políticas públicas e os tributos, como o imposto seletivo, devem atender o princípio da isonomia dentro da categoria, que é uma só, para cumprir sua função de mitigar o consumo excessivo e preservar a saúde do consumidor. Fazer distinções infundadas com base no teor alcoólico, e poupar a bebida em que se concentra a maior parcela do consumo seria ineficiente”, afirmou o presidente da ABBD, Eduardo Cidade.

Ainda de acordo com a associação, as estimativas mais atuais apontam um consumo anual per capita de 84 litros de cerveja no Brasil, enquanto os destilados representam 4,1 litros, número cerca de 20 vezes menor. Na página da campanha, defende os próprios pontos de vista com argumentos do tipo “não há uma bebida da moderação, apenas a prática da moderação” ou “não existe bebida forte ou fraca”. Trata-se da mesma opinião adotada pelo principal parceiro da ABBD na campanha, o Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac).

“Aqueles que defendem alíquotas diferenciadas esquecem que o princípio que deve ser considerado no consumo de bebidas alcoólicas é a quantidade de álcool puro ingerido, que não tem correlação única com o teor. É importante ter em mente que o Imposto Seletivo tem efeito extrafiscal e indutor, de maneira que a aplicação de alíquotas reduzidas para determinado produto, cujo consumo em excesso pode ser prejudicial à saúde, a exemplo das bebidas de baixo teor, no lugar de inibir, acaba por incentivar o consumo deste produto”, acrescentou o presidente do Ibrac, Carlos Lima.

O teor é quem manda

Não é assim que pensa o Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), que representa gigantes do setor, como Ambev, Heineken e Grupo Petrópolis. “Com tranquilidade, o Sindicerv defende a manutenção das melhores práticas tributárias internacionais, que já foram recepcionadas pelo governo em seu projeto de lei. Ou seja, defendemos a tributação de acordo com o teor alcoólico e o não aumento da carga tributária da cerveja, que já é a maior da América Latina”, disparou o presidente-executivo da entidade, Márcio Maciel.

Responsável por comandar a contraofensiva à campanha das destilarias, Maciel acha que produtos diferentes devem ter tributação diferente, “como preconizam os manuais internacionais, que apresentam casos de sucesso no mundo inteiro, cumprindo o objetivo do imposto seletivo, que é zelar pela saúde pública e pelo meio ambiente”. “Os parlamentares já se mostraram sensíveis ao tema e reconhecem a importância da cadeia produtiva da cerveja para o PIB brasileiro. Empregamos mais de 2,5 milhões de brasileiros, direta e indiretamente, e respondemos por 2% do PIB, com um produto 100% nacional, diferentemente dos destilados, que em sua maioria são caros por serem importados”, acrescentou.

Na ponta oposta da trincheira, há também munição para a guerra de números. “Cabe pontuar que a cachaça, produto genuinamente brasileiro e símbolo nacional, já é hoje um dos produtos mais tributados do Brasil e que sua produção, feita majoritariamente por micro e pequenas empresas, representa uma importante fonte de geração de emprego e renda, sendo responsável por mais de 600 mil empregos diretos e indiretos”, contrapôs Carlos Lima, do Ibrac.

Foto: Agência Brasil/Antonio Cruz

Lobby na mesa do boteco

A batalha é movida também por um elemento importante nas decisões políticas do Parlamento: o lobby. Nesse quesito, as multimilionárias cervejarias estão anos-luz à frente dos concorrentes. Foi assim na disputa sobre as restrições à propaganda de bebidas alcoólicas, cuja lei tirou da trava produtos com teor abaixo dos 13 graus, e nas alterações tributárias que garantiram às cervejas menor peso do IPI.

Com o avanço das discussões sobre a regulamentação da reforma na Câmara dos Deputados, cada envolvido na batalha usa a influência que possui para puxar a corda para seu lado. Enquanto isso, as vinícolas se alinham às cervejarias, mas estão de olho em um butim só para eles. Como há inúmeros estudos que relacionam o consumo de vinho a eventuais benefícios para a saúde e o produto recebe tratamento tributário diferenciado em países da Europa, querem que ele entre na lista do imposto do bem, não do pecado.