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Obsessão letal: busca por corpo perfeito forma viciados em procedimentos e picaretagens na Medicina
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Obsessão letal: busca por corpo perfeito forma viciados em procedimentos e picaretagens na Medicina
No vale tudo pela beleza, obsessão estética leva pacientes a cair em falsas promessas e colocar a vida em risco para seguir padrão estético e driblar efeitos da idade
Foto: Reprodução/Freepik
Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 24 de outubro de 2024
Com injeções e cirurgias a cada esquina, a busca pela “melhor versão” virou febre contagiosa no Brasil e nas redes sociais. A obsessão por seguir um padrão e por fugir das marcas da idade é responsável por levar muitos a intervenções perigosas e a alimentar um mercado de picaretagens não só na Estética, mas até na Medicina.
Em julho, um homem morreu em São Paulo após um procedimento chamado peeling de fenol, que nada mais é do que uma agressão à própria pele, para que ela se recupere após um processo inflamatório induzido. Nessa obsessão, se tornou normal levar a pele à morte, se tornou desejado retirar costelas ou pegar gordura de um local e aplicar em outro. Não precisa ir muito ou voltar muito no tempo para encontrar outros casos. Em Vitória da Conquista, uma mulher foi internada em estado grave após complicações em uma cirurgia estética conhecida como “lipo de papada”. A profissional que realizou o procedimento era uma biomédica. Casos como esses alertam para uma população que topa tudo pela superficialidade - até colocar a vida em risco - e que não checa quem são os profissionais que irão interferir em seus corpos.
Um mar perigoso de procedimentos
Assim como na disseminação de doenças e no agravamento de problemas sociais, os números também expõem um cenário preocupante. Dados da Pesquisa Global Anual sobre Procedimentos Estéticos/Cosméticos da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps) contabilizaram mais de 2 milhões de procedimentos estéticos realizados no Brasil em 2023, colocando o país em segundo lugar no ranking dos que mais realizam as intervenções. Para efeito de comparação, esse número é muito superior às 350 mil cirurgias eletivas realizadas pelo SUS no mesmo ano, entre março e setembro.
Criar covinhas, levantar os cantos da boca, “ocidentalizar” os olhos ou até mudar a cor deles. A quantidade de procedimentos estéticos é de perder de vista e isso é resultado de um mercado milionário que vem encontrando terreno fértil para crescer e convencer clientes. Até os mais complexos, como uma lipoaspiração, ficaram cada vez mais populares e ganharam novas roupagens e nomes sedutores, com a lipo LAD.
Foto: Divulgação/Gov-SP
Picaretas surfando na onda da beleza
Com essa sedenta busca, que talvez esconda o desejo de driblar a idade e a morte, abre-se também espaço para que falsos procedimentos e medicamentos, pseudo especialidades e principalmente profissionais se apropriam das plataformas de divulgação como ferramenta de convencimento. Segundo o Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb), o órgão recebeu, neste ano, 54 demandas de exercício ilegal da Medicina. Nove foram levadas à Justiça e tiveram decisões favoráveis. Entre estas, seis estão ligadas a procedimentos estéticos.
As redes sociais não são fundamentais apenas para fortalecer os padrões estéticos. Para o hepatologista Raymundo Paraná, elas também facilitam o contato de falsos profissionais que querem se aproveitar deste cenário e pacientes despreocupados com prováveis malefícios. Foi, inclusive, nesse ambiente digital que surgiram os atores se passando por médicos em propagandas de produtos supostamente milagrosos.
“Eles vão às redes sociais, criam conceitos equivocados e convencem. E os pacientes hoje são despreocupados com a qualidade da fonte, não vão atrás do currículo desse indivíduo, ver se ele fez uma formação endocrinologia, que dá a ele habilidades para manipular hormônios”, pontuou o hepatologista, que também é um crítico ferrenho do famoso implante chamado, não por acaso, de“chip da beleza”. Condenado por diversas entidades médicas, o implante é um misto de hormônios (frequentemente até com esteróides anabolizantes), que promete corpos modelados. Em troca, como sugere uma série de alertas de médicos, o implante pode causar insônia, agitação, elevação de colesterol, hipertensão arterial, acidente vascular cerebral e arritmia cardíaca. Na semana passada, a Anvisa proibiu o implante.
A máscara falsa da beleza
Não é incomum, por exemplo, encontrar um profissional que se diga especialista em “chip da beleza”, em soroterapia, até mesmo na medicina da longevidade ou medicina ortomolecular. As fake especialidades, como nomeia Raymundo Paraná, não são novidades na área. “Não são reconhecidas pela Associação Médica Brasileira, não são reconhecidas pelo CFM [Conselho Federal de Medicina], não possuem avaliação alguma de habilidades do indivíduo que se diz especialista”, disse ele, ao relacionar esse cenário à existência de um mercado financeiro que cresce cada vez mais e ao boom de faculdades de Medicina sem comprometimento com a qualidade do ensino.
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