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Diagnostico de mediocridade: boom de faculdades de Medicina ameaça qualidade da saúde pública
Segundo o Conselho Federal de Medicina, de 2010 a 2023, foram criadas 209 novas escolas médicas no Brasil - 149 particulares e 60 públicas - número superior ao total de cursos inauguradas em mais de 200 anos
Foto: Agência Brasil/Marcelo Camargo
Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 8 de maio de 2025
O kit jaleco e estetoscópio pode até ser o mesmo, mas a formação talvez não seja mais. Só nos últimos dez anos, mais de 49 mil médicos se formaram em instituições de ensino com notas mínimas no Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes). Para o Ministério da Educação (MEC) isso significa 1 ou 2 da pontuação máxima de 5. Mas, muito além de notas, esse resultado representa também uma formação precária que já escancara seus sintomas, em especial, na rede pública, onde muitos desses recém-formados começam a carreira ainda pegando no tranco.
20% dos novos doutores com nota mínima
Esse é o só o raio-x de um quadro que se reflete em médicos que não examinam pacientes e mando-os para casa com uma enxurradas de exames a serem feitos; em episódios de problemas éticos nos consultórios e redes sociais; e na série de picaretagens que vêm ocupando noticiários sobre a saúde no país.
Indústria de vagas
Por trás disso tudo, há um boom de faculdade privadas de Medicina, que abriram as portas, na verdade, para um mercado bilionário. Com mensalidades que chegam a R$ 15 mil, elas nem sempre entregam qualidade. Há cursos de Medicina até em prédio alugado, com aula prática na base do "imagina aí", que sequer têm hospital parceiro e professor titular. Na esteira dessas condições, muitos recém-formados não conseguem ao menos vaga em residência médica, etapa essencial para consolidar conhecimentos e práticas clínicas.
Crítico ferrenho do modelo atual de formação dos estudantes de Medicina, o professor e hepatologista Raymundo Paraná vê como "escândalo" a imensa presença de centros de ensino médico. "Nenhum país do mundo teria condições, nem mesmo os países mais desenvolvidos, de prover campos de prática, boas escolas e bons professores como uma expansão desse tipo. O que está acontecendo no Brasil é: não se forma médico, se gradua, joga o indivíduo no mercado e dá a ele o direito de fazer qualquer coisa".
Segundo o Conselho Federal de Medicina, de 2010 a 2023, foram criadas 209 novas escolas médicas no Brasil - 149 particulares e 60 públicas - número superior ao total de cursos inauguradas em mais de 200 anos.
Da boa intenção ao caos
O boom de faculdades de Medicina foi impulsionado com o lançamento do Mais Médicos em 2013. O programa tinha como um dos objetivos incentivar a abertura de vagas para garantir atendimento de saúde em lugares mais remotos do Brasil. Mas o potencial de transformar o ensino médico em um mercado lucrativo trouxe o caos - ou à abertura desenfreada de vagas sem o devido comprometimento com a qualidade. Atualmente, as escolas de Medicina particulares movimentam cerca de R$ 26,4 bilhões por ano.
Em 2018, o MEC chegou a suspender a criação de cursos de Medicina durante cinco anos, argumentando que as metas já tinham sido atingidas e que era preciso garantir a qualidade do ensino. O resultado, no entanto, foi uma série de vagas (milhares) abertas via liminares judiciais.
A reação chegou atrasada
A resposta oficial ao problema veio recentemente com novas exigências para a abertura de cursos, após decisão do Supremo Tribunal. Agora, para funcionar, as faculdades devem comprovar estrutura hospitalar mínima e seguir limites de vagas. Mas, diante do volume de profissionais já lançados ao mercado sem controle adequado, a sensação entre é de que o país chegou atrasado — e de que os efeitos desse desequilíbrio ainda vão pesar por muito tempo sobre a Saúde.
Para Raymundo Paraná, essas decisões ficam apenas no papel e podem ainda ter um efeito negativo na expansão do atendimento de saúde. “Na prática é diferente. Acho que se for seguir essas normas impostas, nós não vamos ter escola nenhuma em cidade pequena”, pontuou.
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