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De telas de Orixás viradas a punições revertidas em cesta básica, Brasil revela desafios da luta antirracista

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De telas de Orixás viradas a punições revertidas em cesta básica, Brasil revela desafios da luta antirracista

Toda da vez que o país celebra um 20 de Novembro, a realidade trata de escancarar que a consciência ainda não chegou

De telas de Orixás viradas a punições revertidas em cesta básica, Brasil revela desafios da luta antirracista

Foto: Agência Brasil/Tania Rego

Por: Ismael Encarnação e Mariana Bamberg no dia 21 de novembro de 2025 às 06:54

Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 21 de outubro de 2025

Consciência mesmo tem faltado. No dia 20 e em todos os outros. Sobram discursos bonitos nas redes, campanhas publicitárias surfando nesse calendário e matérias estampando sites e jornais com personalidades negras. Mas consciência mesmo? Essa ainda está em falta, mesmo que com avanços a serem comemorados.

Uma visão pessimista? Talvez, mas fincada nos fatos, nos números, nas notícias, nos relatos. Houve consciência negra quando telas com Orixás da exposição “Baianinhas” foram viradas de costas para a realização de um evento gospel em um dos salões da Assembleia Legislativa da Bahia? Nem consciência, nem descuido, nem erro técnico. Foi uma escolha - classificada como “vergonhosa” pela Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-Ameríndia, que denunciou o caso e cobrou apuração para descobrir os responsáveis.

Vergonhosa em diferentes nuances, em especial por acontecer justamente na casa que deveria representar o povo de um estado - um estado que tem cerca de 80% da sua população autodeclarada como preta ou parda e mais de 120 mil praticantes do candomblé e umbanda. Olhando assim, parece mais uma visão realista do que pessimista, não é?

Após 60 anos, a primeira prisão

E para mais uma dose de realidade, basta lembrar que só em 2024 (sim, no ano passado) houve a primeira condenação com pena de prisão para um caso de racismo. Isso porque a primeira lei de natureza antirracista foi sancionada em 1951 e considerava contravenção, já com possibilidade de prisão simples de quinze dias a três meses ou multa, negar serviço, seja de hospedagem ou educação, por preconceito de raça ou de cor. De lá para cá, várias outras leis, como o próprio Estatuto da Igualdade Racial, foram reforçando o combate ao racismo.

Mas até o ano passado, nenhuma delas tinha sido capaz de superar o racismo estrutural e condenar alguém à prisão. Quem acompanha esses julgamentos é unânime: a maior parte dos casos de discriminação racial é enquadrada apenas como injúria, que prevê uma punição mais branda, de multa e um a seis meses de prisão - o que, na prática, pode simplesmente ser revertido para compra de cestas básicas.

Quem  escapa

Então sobre a primeira condenação com prisão por crime de racismo, resta nos dividirmos entre comemorar o avanço ou lamentar seu atraso.

Não só o atraso, mas também a “não prisão”. Porque até junho deste ano, a Justiça considerava como "desconhecido" o paradeiro da primeira pessoa condenada à prisão. Ela proferiu, na internet, declarações racistas contra uma criança, a filha dos atores Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso, que comemoraram a decisão, mas reconheceram que essa foi uma vitória decorrente também da visibilidade e cor da pele dos pais.

Racismo desportivo

No geral, o que sobra para aqueles que não têm um sobrenome ou a mídia como aliado é virar estatística. Ou, quem sabe, ver uma punição mixuruca ao seu agressor.

No Paraná, por exemplo, o jogador Paulo Vitor, do time de futebol Nacional, foi chamado de “macaco” em campo e reagiu com um soco. Restou a ele uma punição maior do que a de seu algoz. Enquanto o autor da injúria racial foi suspenso por sete jogos, Paulo Vitor somou 10 jogos de suspensão - porque racismo não deve ser tão grave para as entidades e Tribunais Desportivos.

Valor dos crimes

Da mesma forma avaliou a Conmebol que imitar um macaco para ofender um jogador em campo (como aconteceu na Libertadores Sub-20 deste ano) vale 50 mil dólares em multa. Enquanto acender um sinalizador na torcida é mais grave, custa 78 mil dólares aos cofres do clube. Chegar atrasado para o início da partida então… só será perdoado com uma multa de 100 mil dólares.

No fim, os padrões vão se repetindo no futebol, nos tribunais, nas ruas. E a consciência que é bom, nada. Mas a luta, porém, não se curva a essas contradições. Ela continua nos terreiros, nas escolas e nas pequenas vitórias arrancadas a duras penas. Se a consciência ainda falta a muitos, sobra a quem enfrenta o racismo todos os dias a coragem de seguir empurrando o país para onde ele ainda resiste a ir.