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Iphan reconhece caráter cívico da Praça Municipal, mas é omisso com demolição do Palácio Thomé de Souza
Com quase 40 anos de atraso, Iphan reconhece mérito do Palácio Thomé de Souza em preservar o caráter cívico da Praça Municipal e recomenda continuidade da prefeitura no local

Foto: Metropress/Samanta Leite
Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 18 de dezembro de 2025
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) publicou no Diário Oficial da União da última segunda-feira (15) uma portaria com diretrizes de preservação e critérios de intervenção para o Centro Histórico e a Cidade Baixa de Salvador. Um documento extenso, com seis capítulos e 59 anexos, lançado com toda pompa e circunstância no Receptivo Conceição da Praia, com a presença da ministra da Cultura Margareth Menezes, do presidente do órgão, Leandro Grass, de representantes da Ufba, arquitetos e urbanistas e a imprensa local. Por algum motivo, a Metropole não recebeu, como sempre acontece, o informe sobre o evento – deve ter sido alguma falha técnica. Ou, o que é bem possível, resultado das críticas que os veículos do grupo têm feito à condescendência do Iphan com obras realizadas em conjunto tombado sem aval prévio do órgão, como manda a lei.
O anexo que trata do coração da Praça Municipal
Um dos 59 anexos da nova portaria do instituto é o chamado Orientação para Agenciamento e Projeto (OAP), que dá as diretrizes para a ocupação do “Terreno à Praça Tomé de Souza”, onde está localizado o palácio homônimo, projetado e construído ao longo de 14 dias em 1986, para trazer o quanto antes a prefeitura - que à época funcionava no Solar da Boa Vista, em Brotas - de volta à Praça Municipal de Salvador, a primeira do país. Tudo isso graças à sofisticação tecnológica do arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, a pedido de Mário Kertész, primeiro prefeito eleito democraticamente depois de duas décadas de ditadura militar. Prestes a completar 40 anos ali, o prédio já tem sua própria história, que será apagada.
Desde que foi erguido, o Thomé de Souza, descrito no texto como “uma caixa de aço e vidro elevada sobre pilotis metálicos”, é envolvido em polêmicas motivadas pelo contraste visual que ele causa com as edificações ao redor. Uma decisão judicial de 2004, baseada em argumentos frágeis do ponto de vista técnico, determinou que o prédio fosse retirado dali, mesmo tendo sido devidamente autorizado, ainda que em caráter provisório, pelo antigo Sphan, órgão que precedeu o atual Iphan.
Um reconhecimento tardio
No documento, o instituto finalmente reconhece o “relevante mérito” do edifício ter preservado o “caráter institucional, político e administrativo da Praça Tomé de Souza enquanto praça cívica de Salvador” e orienta que as intervenções no local devem dar prioridade a usos como o próprio Executivo Municipal, “que transferirá sua sede temporariamente para o Palácio Arquiepiscopal, na Praça da Sé”, ou outros “que mantenham o compromisso com a preservação da memória coletiva, valores simbólicos e o caráter cívico da praça” – propósitos aos quais um centro de convenções, que é ideia da prefeitura para a área, quase nunca se presta. Enxugando o texto, o melhor seria manter a prefeitura onde está hoje.
Especialistas apontam que o verdadeiro problema, no entanto, é volumétrico: o Thomé de Souza não ocupa todo o vazio deixado pelos robustos edifícios da Imprensa Oficial e da Biblioteca Pública, demolidos em 1972 para a construção do estacionamento semienterrado, conhecido de forma jocosa como Cemitério de Sucupira, em referência à novela O Bem Amado, da Rede Globo. Em resumo, o órgão entende que se o prédio de fato for retirado dali, o terreno deve voltar a ser “predominantemente ocupado”.
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O risco de repetir o ciclo do apagamento
Quase 40 anos depois da construção do edifício, o Iphan é condescendente com a iminente demolição de uma das poucas obras que ainda restam na cidade, assinada por um dos arquitetos brasileiros mais importantes do Século 20. O mesmo Iphan que ainda não tomou nenhuma medida prática em relação à alteração da volumetria de um edifício no mesmo entorno devido à construção não autorizada de um rooftop com piscina de borda infinita, usa hoje essa justificativa para defender a ocupação integral de um terreno já ocupado exatamente com os mesmos fins que o órgão propõe.
Diz isso como se a história recente não fosse História com H maiúsculo o suficiente para ser preservada. Quem sabe daqui a 50 anos as próximas gerações estarão olhando as fotos atuais como nós vemos aquelas anteriores à última demolição.
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