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Quarta-feira, 31 de dezembro de 2025

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Técnica brasileira revoluciona cirurgia de próstata e amplia acesso a tratamento

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Técnica brasileira revoluciona cirurgia de próstata e amplia acesso a tratamento

Desenvolvida na Uerj, a AORP adapta princípios da cirurgia robótica à cirurgia aberta, com resultados equivalentes e custo significativamente menor

Técnica brasileira revoluciona cirurgia de próstata e amplia acesso a tratamento

Foto: Reprodução/Canva

Por: Metro1 no dia 30 de dezembro de 2025 às 13:50

A prostatectomia radical, procedimento que remove totalmente a próstata com finalidade curativa, passou por importantes transformações ao longo das últimas décadas, impulsionadas por avanços tecnológicos e pelo aprofundamento do conhecimento anatômico. Apesar disso, a incorporação dessas inovações ocorre de maneira desigual entre países e instituições.

Nos anos 1980, o urologista Patrick Walsh promoveu uma mudança decisiva ao demonstrar que era possível preservar os feixes nervosos responsáveis pela ereção, reduzindo complicações e melhorando a qualidade de vida dos pacientes. Já na década de 1990, a laparoscopia representou um novo avanço, com incisões menores e recuperação mais rápida, embora sua complexidade técnica e longa curva de aprendizado tenham limitado sua difusão.

A introdução da cirurgia robótica nos anos 2000 modificou esse cenário. Com o sistema da Vinci, os cirurgiões passaram a contar com maior precisão de movimentos, visão tridimensional e melhor ergonomia, facilitando a prostatectomia laparoscópica. No entanto, o alto custo de aquisição, manutenção e instrumentais descartáveis restringiu sua expansão, especialmente em países de renda média, como o Brasil.

Estudos científicos indicam que os resultados oncológicos e funcionais da cirurgia robótica são semelhantes aos da cirurgia aberta tradicional, tendo como principal benefício a recuperação mais rápida. Ainda assim, a limitação de acesso manteve a desigualdade tecnológica no tratamento do câncer de próstata.

Foi nesse contexto que uma equipe do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe-Uerj) passou a investigar se seria possível incorporar os benefícios da cirurgia robótica à cirurgia aberta, sem depender de equipamentos caros. A resposta foi o desenvolvimento da AORP (Open Anterograde Anatomic Radical Prostatectomy), técnica que adapta os princípios da cirurgia robótica ao ambiente da cirurgia aberta convencional.

Criada em 2015, a AORP resultou de uma ampla revisão das técnicas aberta, laparoscópica e robótica. Os pesquisadores identificaram três pilares fundamentais para melhores resultados funcionais: dissecção anterógrada, preservação do colo vesical e da uretra abdominal, e anastomose contínua segundo a técnica de Van Velthoven. Com base nesses fundamentos, foi desenvolvido um método que reproduz a lógica da cirurgia robótica utilizando apenas instrumentos tradicionais, sem custos adicionais.

A pesquisa seguiu rigorosamente os critérios científicos, com aprovação do Comitê de Ética do Hupe e registro no Clinical Trials.

Após um estudo piloto com dez pacientes, a equipe conduziu um ensaio clínico randomizado com 240 pacientes entre 2016 e 2019. Os resultados demonstraram benefícios relevantes da AORP, como menor perda sanguínea, redução do tempo de anastomose, menor período de uso de sonda urinária e recuperação urinária significativamente mais rápida.

Em 30 dias, 60,9% dos pacientes submetidos à AORP apresentavam continência urinária, contra 42% daqueles operados pela técnica tradicional. Também foram observadas menores taxas de complicações e maior preservação nervosa, fator essencial para a função sexual. No controle oncológico, ambas as técnicas apresentaram resultados equivalentes, comprovando que a AORP não compromete a segurança do tratamento.

Estudos com seguimento de cinco anos, em fase final de publicação, confirmaram controle oncológico idêntico entre a AORP e a técnica tradicional. Outro trabalho, que comparou retrospectivamente a AORP à prostatectomia robótica em 252 pacientes, mostrou resultados semelhantes quanto a sangramento, tempo de internação, tempo de uso de sonda e controle do câncer.

Comparações recentes indicam que a AORP apresenta custo quase quatro vezes menor do que a cirurgia robótica, desconsiderando a aquisição da plataforma. Essa economia é especialmente relevante para hospitais públicos e para o Sistema Único de Saúde (SUS), onde a cirurgia robótica ainda é exceção.

Além de ampliar o acesso a um padrão cirúrgico avançado, a AORP demonstra que inovação não depende exclusivamente de tecnologia sofisticada, mas de domínio anatômico, refinamento técnico e criatividade. A técnica também se destaca como ferramenta pedagógica, ao incorporar princípios da cirurgia robótica à cirurgia aberta, preparando novos cirurgiões para diferentes realidades de atuação.

A AORP evidencia a capacidade da medicina brasileira de gerar inovação com impacto internacional. A técnica já desperta interesse de pesquisadores e cirurgiões de outros países que enfrentam limitações semelhantes no acesso à robótica.