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Do golden shower ao já ir embora, o carnaval pós-tudo

Do golden shower ao já ir embora, o carnaval pós-tudo

Dois anos sem Carnaval transformaram a festa que começa agora numa espécie de catarse coletiva, como se o mundo fosse acabar

Do golden shower ao já ir embora, o carnaval pós-tudo

Foto: Reprodução

Por: Malu Fontes no dia 09 de fevereiro de 2023 às 08:17

Dois anos sem Carnaval transformaram a festa que começa agora numa espécie de catarse coletiva, como se o mundo fosse acabar. Depois de, sob a Covid, o mundo como o conhecíamos quase mesmo ter acabado. Dois anos sem carnaval em cidades como Salvador, Rio de Janeiro e Recife pareceriam ficção, se alguém anunciasse tal coisa, como previsão, antes do último, em 2020. E não há como não associar a intensidade que a festa promete com o fato de o de agora ser, para muita gente, o expurgo do bolsonarismo. Sim, tudo no Brasil se misturou com política e com ideologia, e com o carnaval não foi diferente. 

Olhando em perspectiva o carnaval e o bolsonarismo, o que inaugura a demonização da festa é o episódio do vídeo do golden shower, um flagrante do carnaval de rua de São Paulo. Compartilhado pelo então presidente Jair Bolsonaro em seu primeiro ano de gestão, o vídeo mostrava cenas em que dois homens dançavam em cima da estrutura de um ponto de táxi. Um deles colocava o dedo no ânus e se abaixava para que o outro urinasse nele. “O que é golden shower?”, perguntava Bolsonaro, legendando a imagem em sua conta Twitter. Golden Shower ou Chuva Dourada é uma prática sexual, um fetiche que consiste em um dos parceiros urinar em alguma parte do corpo do outro durante a relação sexual. A postagem do presidente buscava reforçar a tese de que o carnaval era sinônimo daquela cena, uma festa condenável, contrária aos princípios da tríade Deus-pátria-família. 

'Minh'alma não tem caixinha'

Na esteira da guerra cultural e ideológica, veio o mandamento da ministra Damares, encaixando meninas de rosa e meninos de azul. Para esses tempos, os dos dois carnavais da história do Governo Bolsonaro, a legenda é uma marchinha carnavalesca. Composta por Daniela Mercury e gravada por ela e Caetano Veloso, “Proibido o Carnaval” traduz a queda de braço entre o reacionarismo e a cultura do carnaval brasileiro. Está tudo lá: “minh’alma não tem tampinha/Minh’alma não tem roupinha/Minh’alma não tem não tem caixinha/Minh’alma só tem asinha […] Iemanjá lá no sul/Vai de rosa ou vai de azul?/Abra a porta desse armário/Que não tem censura pra me segurarAbra a porta desse armário/Que alegria cura Venha me beijar/

Nenhum carnaval é igual a outro, mas este, em qualquer lugar, merece ser tratado como diferente. Como no pós-guerra, tem-se o direito de exorcizar as dores, os mortos, os lutos, os demônios e os fantasmas, o mundo de 2023 pós-COVID e pós-tudo merece uma festa. E para quem vive dela, sobretudo os artistas das franjas mais frágeis da cadeia produtiva do carnaval, uma das categorias profissionais que mais sofreram sem renda na pandemia, é a ressurreição. Em Salvador, cidade onde a festa está mais para uma religião, já é carnaval desde o último trimestre do ano passado. A festa não é para esquecer as dores que sabemos crônicas. É recurso para suportá-las. E Jair já foi embora. 

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