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Os telhados nazistas e o risco do erro

Os telhados nazistas e o risco do erro

Nesses tempos de polarização, todo o cuidado é pouco para a imprensa não incorrer em erros que alimentem a fúria de quem é apontado como nazista e fascista sob qualquer pretexto

Os telhados nazistas e o risco do erro

Foto: Reprodução

Por: Malu Fontes no dia 25 de maio de 2023 às 09:24

Nesses tempos de polarização, todo o cuidado é pouco para a imprensa não incorrer em erros que alimentem a fúria de quem é apontado como nazista e fascista sob qualquer pretexto. A banalização da agressão, o descuido ou o erro têm cada vez mais fronteiras borradas em direção à interpretação como má-fé e às suas transformações em matéria-prima para alimentar justamente aquilo que se pretende combater. A pretexto de denunciar o absurdo que seria pessoas anunciando-se como entusiastas do nazismo, a ponto de colocarem no telhado de suas casas uma saudação a Hitler, o “heil”, uma colunista da Folha de S. Paulo abriu um flanco e tanto em si mesma e no jornal.

Acompanhada da família, a colunista Giovana Madalosso circulava pelo interior de Santa Catarina numa busca curiosa por telhados de casas onde moradores supostamente simpatizantes da ideologia nazista ostentavam isso escrevendo nas telhas de seus imóveis a inscrição “heil”, da saudação ‘Heil Hitler’. Ela havia sido informada do fenômeno por um conhecido. Avistou-o e, parece que sem pensar nem mesmo meia vez, escreveu uma coluna sobre o assunto, intitulada “Fui surpreendida por uma saudação nazista”. O texto foi publicado, datado de 21 de maio. Continua disponível on-line, com apenas uma errata brevíssima, como se fosse um erro bem banal. Não foi. 

Os telhados anunciando a filiação nazista de quem estivesse dentro da casa eram um erro. Grosseiro, inclusive. Não era uma saudação nazista. Heil é o sobrenome de uma família descendente de alemães que migraram para o Brasil no século passado. Um nome, como é Silva, Ferreira, Bastos ou de Jesus. Trata-se do nome de uma empresa familiar que constrói casas alugáveis por temporadas. Os donos sempre colocaram a marca do projeto imobiliário num ponto do telhado, como marca, visível de cima. 

Escrotos e constrangimento 

Uma vez sabendo-se desta informação, disponível em diferentes e diversos textos e anúncios publicitários verificáveis no Google, a leitura do texto, os argumentos, as sensações e, principalmente, a associação feita entre o telhado descrito como nazista e o percentual do eleitorado bolsonarista catarinense causa um misto de constrangimento e vergonha alheia.  Imediatamente, parlamentares bolsonaristas ágeis nas redes sociais fizeram ataques ao jornal e transformaram a falta de apuração da colunista em fake news, má-fé, ofensa e coisas afins. 

Quem não acompanhou o assunto sob a forma de treta no Twitter ou nunca soube o que são os desmentidos quando vêm pelos leitores no espaço de comentários do texto talvez não tenha ideia do que significa escrever uma imprecisão desse nível no jornal de maior circulação do país. Obviamente que abre espaço para uma pergunta que é menos irrelevante do que leva a crer. Por que é que quando a direita escreve mentiras estrategicamente inventadas, o progressismo defensor da veracidade das coisas estampa logo uma hashtag de fake ou informação fraudulenta, e quando progressistas bem intencionados denunciam casas nazistas inexistentes, a opinião pública tem a obrigação de perceber que neste caso é apenas inocência, falha de apuração ou de checagem? É nisso que dá sair por aí localizando monstros onde nem há só para anunciar que somos bons, corretos e viemos ao mundo para denunciar os escrotos. Dá trabalho saber quem é escroto ou não, mas nada se compara ao constrangimento de usar munição contra alvos que nem estão lá. 

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