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Golpismo tardio

Mas ela estava certa em se irritar também comigo, afinal, eu estava ali para lhe dar uma ¨doença¨
Foto: Reprodução
Até atingir maior conhecimento da alma e psique humanas eu muito me angustiava diante da necessidade de um paciente de estar doente. Sim, enfrentamos muitas situações assim. Dona Julita "precisava" de uma doença e as conversas que tivemos ao longo de duas consultas anteriores ainda não me autorizavam a lhe dar uma doencinha que fosse para lhe aliviar a aflição.
- Olhe, a pessoa não dorme, vive se explodindo com tudo... Sabe uma vontade de correr nua na rua? Eu tenho! Os meninos fala, eu grito; a vizinha reclama, eu berro; se alguém pergunta uma coisa, faço escândalo... Eu quero que a senhora diga que tou endoidando, doutora, pois num tô normal!
História clínica colhida academicamente, exame físico minucioso, exames complementares indicados com critério trouxeram resultados tranquilizadores... Mas ela estava certa em se irritar também comigo, afinal, eu estava ali para lhe dar uma ¨doença¨.
Sugeri que procurasse a psicóloga do CAPS - Centro de Atenção Psicossocial -, mas ela se recusou terminantemente. E foi embora batendo a porta!
Menos de uma semana depois, voltou alegre e com a fisionomia repousada. Trazia-me dois quilos de carne de fumeiro e grande porção de linguiça do sertão. Tudo "feitinho em casa e para a doutora". Mal a mulher sentou e eu, pasma, já me antecipei perguntando o que tinha acontecido.
- Fui injusta com a senhora, doutora. A senhora foi minha amiga e não me arranjou doença nem deu remédio sem precisão. O presente é pra me desculpar. Tô muito feliz com a minha saúde! O meu problema era a desgraça do meu marido mesmo! Tá resolvido - mandei ele pra onde quisesse ir. Foi como tirar a doença com a mão, minha filha! Diabo de home ruim!
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