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Miseráveis abaixo, milionários acima, e pobres espremidos na forma da lei

Miseráveis abaixo, milionários acima, e pobres espremidos na forma da lei

No Brasil, não se tira dos ricos para dar aos pobres, tira-se dos pobres para dar aos miseráveis

Miseráveis abaixo, milionários acima, e pobres espremidos na forma da lei

Foto: Reprodução

Por: James Martins no dia 31 de agosto de 2023 às 08:55

Vi esses dias uma matéria sobre pontos de ônibus da cidade de Porto Real, estado do Rio de Janeiro, que, por conter divisórias no assento de madeira, foram classificados como elementos de “arquitetura hostil”. Esta seria uma ferramenta utilizada para dar materialidade à “aporofobia”, que é, segundo cunhou a filósofa espanhola Adela Cortina, o “ódio aos pobres”. Os bancos se encaixam no conceito por, supostamente, visarem impedir que moradores de rua os utilizem como cama. E isso me lembrou de um outro caso, mais próximo, envolvendo a casinha do parque infantil do largo de Santo Antônio Além do Carmo, bairro onde moro. Pois bem, o brinquedo, de design nada hostil, virou abrigo, moradia, de moradores de rua. O problema é que as crianças que o utilizavam não eram ricas, mas majoritariamente pobres, filhas de porteiros, manicures, garçons, mototaxistas dos arredores. E aqui chegamos ao difícil xis da questão: os miseráveis moradores de rua tiraram o direito de crianças pobres acessarem um equipamento público feito para elas. Enquanto as crianças ricas, e mesmo de classe-média, não passam pelo mesmo problema, pois seus parquinhos ficam dentro dos condomínios, defendidos por seguranças particulares que, por sinal, são os pais das mesmas crianças pobres citadas anteriormente. E pelo visto o ódio aos pobres é maior e mais abrangente do que parece quando contabilizamos apenas os miseráveis em nossa justa solidariedade.

Pois, no Brasil, a fórmula da justiça social não vem à maneira de Robin Hood, tirar dos ricos para dar aos pobres, mas tirar dos pobres para dar aos miseráveis. Não é por acaso que aqui milionários pagam menos impostos que professores, enfermeiros ou policiais. Pois bem, moradores da invasão que existe na encosta (por sinal também invadida por um restaurante de luxo) do Santo Antônio, um dia chamaram a polícia pra retirar o invasor do brinquedo de seus filhos. Imagine a confusão. Moradores mais ricos protestaram em favor do sem-teto. Da mesma forma, imagino minha avó esperando o ônibus de pé, por horas (pois quem pega ônibus sabe que demora), enquanto o banco do ponto está ocupado por um homem deitado, envolvido em um cobertor que é tudo o que ele tem. E repito: o grande problema é que a solidariedade ao miserável só tem punido o pobre. Ou tenho que lembrar que quem usa ponto de ônibus não é rico? Áporo, de Carlos Drummond de Andrade: “Um inseto cava / cava sem alarme / perfurando a terra / sem achar escape. // Que fazer, exausto, / em país bloqueado, / enlace de noite / raiz e minério?”.

Sempre soubemos que ricos, no Brasil, estão acima da lei. Ela não os alcança. Miseráveis, por sua vez, jazem abaixo. Enquanto, espremidos no meio, pelo lado esquerdo e pelo lado direito, estão os pobres, pagando a conta e levando no lombo. E nenhuma orquídea ou ideia forma-se no labirinto, Carlos.